Importância do Treinamento de Tiro
"Quando você não estiver bem treinado, treine de manhã, treine à tarde e treine à noite. Quando você estiver bem treinado, treine um pouco de manhã, um pouco à tarde e um pouco à noite. Nunca deixe de treinar", esse é o conselho que o Cap. PM Luís Fernando Tarifa Serpa, comandante da ESFAG - Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Graduados da Polícia Militar do Estado de São Paulo dá a seus alunos. E basicamente é o que todos os instrutores de tiro recomendam. "Tiro é muito mais do que o próprio disparo é todo um procedimento de segurança que também envolve o disparo. Acho que o disparo é a última conseqüência de toda a situação. E realmente as pessoas que conhecem armas, não fazem uso delas a qualquer momento", continua Cap. Serpa que acaba de publicar o livro O Tiro de Sobrevivência e tem uma vasta experiência nesta área, tendo feito cursos de tiro nos Estados Unidos e em Israel.
Sobre a experiência no exterior, Cap. Serpa garante que o que diferencia aqueles cursos dos ministrados no Brasil é basicamente a quantidade de treinamento. E que treinar é, sim, muito importante. "Em determinada situação, eu posso precisar sacar uma arma em um segundo. Se sou bem treinado, saco em um segundo, se não sou bem treinado, vou sacar em três. Não se pode falar: em Israel vou sacar em um segundo senão eu morro, mas no Brasil posso sacar em três. Não existe esta relação. O que não se pode é fazer um treinamento em Israel e querer implantar tudo o que você viu, aqui".
Assim, no Brasil há vários excelentes cursos sendo ministrados, mas o que faz a diferença é o empenho do aluno em querer sempre aprender mais. Luiz Horta, o conhecido Tatai, por exemplo, atira desde os quatro anos de idade e já recebeu inúmeros prêmios em competições de todo o tipo em vários lugares do mundo. "Morei por um bom tempo no exterior (Alemanha e Estados Unidos) sempre a convite de academias; nunca tive que pagar um centavo sequer para ir ou permanecer nessas academias", declara Tatai que atualmente é dono da Gun Sight, escola de tiro que possui vários cursos, procurando atender à necessidade de cada aluno. A Gun Sight atende policiais, vigilantes, agentes de segurança, seguranças particulares e muitos amantes desse esporte que apesar de não usarem a arma no dia-a-dia, querem aprimorar suas técnicas.
Além de empenho, o aluno também deve ter disposição para aprender e deixar de lado os "vícios" que adquiriu com o passar do tempo. Segundo Tatai, a maioria das pessoas que dizem saber atirar, mesmo policiais e profissionais de segurança, não o sabem. Há várias instruções erradas que vão passando de pessoa para pessoa, perpetuando o erro. Tatai ainda é enfático ao dizer que mesmo instrutores (muitos deles), não sabem atirar bem e que em seu curso para alguém chegar a instrutor tem que ficar pelo menos um ano e meio aprendendo ao seu lado, até que todas as técnicas estejam incorporadas.
Aliás, a incorporação das técnicas é algo com que todos os especialistas concordam. Cel. EB Carlos Elberto Vella, que foi instrutor de tiro em todos os quartéis pelos quais passou e atualmente treina instrutores para escolas de formação de vigilantes e agentes de segurança, diz que o sacar, apontar e atirar devem ser atos reflexos, totalmente incorporados ao atirador. Desde que a decisão de atirar já foi tomada, todos esses atos devem ser praticados com a facilidade de um piscar de olhos. E para isso só com muito treino.
Alunos durante aula na Gun Sight Treino - Sim, ir para um estande de tiro e ficar efetuando disparos é uma boa forma de treinar. Mas não é a única. Cel. Vella aconselha seus alunos a efetuarem disparos a seco, com cartuchos vazios para não danificar o percussor da arma. Já Cap. Serpa tem um outro conceito de treinamento: "Eu acredito que treinamento de tiro não é só efetuar disparos. O treinamento é feito de procedimentos. Uma simples orientação, em sala de aula, do que o policial deve fazer com a arma, como ele deve portar-se na rua ou quando está no ônibus é treinamento de tiro. Porque tiro é treinar os procedimentos. Eu não chamo de regras de segurança, eu chamo de procedimentos de segurança. Porque não adianta apenas você não colocar o dedo no gatilho; se derrubar sua arma, ela também pode disparar e um acidente grave pode ocorrer". Já Tatai, emprega as duas formas de treinamento. No início, não são realizados disparos reais. Nesse momento são colocados os procedimentos de segurança incorporando-os junto com as técnicas de empunhadura, visada e puxada de gatilho. Só depois são colocadas as técnicas de saque onde também são empregados os procedimentos de segurança. Mas tudo a seco.
Avaliação - E como anda a situação de policiais e vigilantes? Como mencionado acima, Tatai garante que muitos profissionais não sabem atirar corretamente e adquiriram muitos vícios com o decorrer do tempo. Para ele, o que tem garantido a sobrevivência destes profissionais é que os bandidos também não sabem atirar. Tatai fala isso com a experiência de quem conhece de perto muitos destes profissionais e de quem dá aulas para equipes especializadas como o Gate - Grupo de Ações Táticas Especiais da Polícia Militar, onde mesmo lá, num grupo de elite, encontrou vários erros a serem corrigidos. Imaginem o restante que não é tão treinado quanto grupos como esse.
Mas Cap. Serpa não concorda. Para ele, o treinamento de tiro na Polícia Militar ainda não está 100% eficiente, mas ele, como instrutor de tiro, está muito contente. O treinamento está a caminho de se tornar bastante satisfatório. Atualmente, um soldado é obrigado a efetuar 450 disparos e à medida que vai fazendo outros cursos, mais tiros vão sendo efetuados. "É uma média muito boa, não é fantástica, mas é muito boa", considera Cap. Serpa que vê com maior cautela a condição dos vigilantes. "Cuidar de um prédio armado e ao mesmo tempo relacionar-se com pessoas é algo delicado. Quando a pessoa chega numa portaria de uma empresa, vai se aproximar o suficiente do vigilante para conversar bem perto. E se esta pessoa abre a bolsa e saca uma arma? É uma situação complicada, por isso que é necessário um treinamento constante. Eu acho que a reciclagem dos vigilantes que é feita a cada dois anos deveria ser realizada em um menor intervalo de tempo".
Apesar de considerar que o treinamento de vigilantes e profissionais de segurança está sendo bem feito, Cel. Vella também acha que dois anos é muito tempo para estes profissionais ficarem sem treinamento. "Se a pessoa não treinar constantemente, ela perde a destreza com as armas. E tiro a gente só aprende atirando. Então não adianta você ter aula hoje, dar 50 tiros, 100 tiros e passar um ano ou dois sem atirar, você perde a destreza. Porque quem porta o armamento para utilizar em casos de necessidade, tem que ter destreza, rapidez para sacar e atirar com precisão. Eu sempre prego a qualquer segurança, seja ela orgânica ou privada que tenha elementos armados, que faça um treinamento mensal. Que sejam 10, 15 tiros, mas tem que atirar porque senão não terão destreza no momento que mais precisarem. Porque sacar a arma e puxar o gatilho, qualquer um faz, agora ele tem que saber acertar, tem que ter precisão porque senão ele vai executar uma série de tiros e vai errar todos".
E Cel. Vella continua dizendo que o treinamento deve ser adequado, o mais próximo da realidade possível: "normalmente os alunos fazem um treinamento errado, vão para o estande, pegam a arma do coldre, sacam, atiram e se acham o máximo. Mas na hora em que eles estiverem, por exemplo, vestidos com o paletó e tiverem que sacar a arma de dentro da roupa, a coisa muda. Eu tenho visto alunos que foram fazer curso em Israel que na hora em que eu visto um paletó neles e eles vão sacar a arma, se enrolam todos e fazem a coisa totalmente errada".
Também pensando num treinamento mais próximo à realidade, Tatai desenvolveu a Clínica de Tiro Defensive Nível II que foca o deslocamento com armas de fogo. Sair atirando, deslocar-se com a arma no coldre, com a arma em punho, parar em posição de tiro e disparar em diversas posições e diversos tipos de corrida, basicamente todos os deslocamentos que um policial ou que uma pessoa que anda armada vai poder fazer com uma arma de fogo. Mais avançado que isso, é a Clínica de Tiro Proteção Vip Nível I, desenvolvida com a ajuda do mestre de hap-ki-dô, Alfredo Raspa, que visa o treinamento daquelas pessoas que querem trabalhar com proteção a dignitários. São ministrados giros de 180º que é o que o agente de segurança vai estar executando durante os seus deslocamentos.
Luiz Horta (Tatai), dono da Gun Sight Técnicas e Táticas Clínica de Tiro
"Além desta parte de tiros que ele vai aprender que são cinco métodos de giros diferentes com eslocamentos também bem diferentes e ainda parte de joelhos com giros, tem a defesa pessoal que engloba golpes de hap-ki-dô com a arma de fogo na mão. Ou seja, a pessoa vai estar com a arma de fogo na mão, mas não vai utilizá-la como arma de fogo, não vai atirar; vai utilizá-la apenas como ferramenta, como se fosse um bastão ou uma pedra. Os golpes são desenvolvidos para a pessoa utilizar a mão fraca - se o indivíduo é destro, a mão fraca é a esquerda - para desferi-los e a mão forte vai estar segurando a arma ou vai estar preparada para fazer, eventualmente, um saque e utilizar a arma de fogo, se houver necessidade. Foram desenvolvidos oito golpes para qualquer tipo de pessoa", explica Tatai que completa dizendo que os desenvolvimentos dos golpes foram feitos tendo como base uma pessoa que anda armada, mas que está mal preparada fisicamente. "Você pode perceber que boa parte dos policiais está gordinha e alguns vigilantes também não têm o perfil adequado para a função que exercem. Então a partir desse princípio, fazer mil e um rolamentos e cambalhotas que são dados por aí, via de regra, não existe. Porque ninguém de terno e gravata vai sair dando pulo, então as técnicas da Gun Sight são dadas para um confronto mais real".
Cidadãos comuns - Segundo os entrevistados, também é importante que o cidadão comum treine e saiba como manejar sua arma. Para eles, a lei que proíbe o porte de arma é um poderoso freio para o uso indiscriminado de armamento, mas que pode ser aprimorada. O que se defende é que haja uma maior racionalização e que se permita às pessoas realmente preparadas o porte de arma, pois se isto não for feito o cidadão estará cada vez mais à mercê de criminosos que não precisam desta autorização, afinal quando ele é preso, via de regra, o crime de porte de arma é menor do que os outros que ele cometeu. A verificação da boa condição técnica para portar armas pode ser feita em estandes montados no próprio Departamento de Polícia Científica da Polícia Civil, encarregado atualmente de emitir os portes de armas. Aliás, Dr. Marco Antônio Ribeiro de Campos, Delegado Titular da Divisão de Produtos Controlados desse departamento é totalmente a favor da criação destes estandes e já está trabalhando para realizá-los.
Cel. EB Carlos Elberto Vella.
"A maioria, talvez 80%, dos cidadãos que portam armas faz isso sem condições. O fato de não saber usar a arma não é só não saber atirar. Às vezes é não saber acomodar esta arma em casa, usar esta arma na rua ou como conduzi-la. A pessoa tem que estar consciente de que está armada, porque se ela estiver ‘desligada’, vai, facilmente, fornecer esta arma ao bandido porque vai ser assaltada e não vai estar preparada para reagir", considera Cap. Serpa. "Cuidar do armamento já é estar treinando procedimentos. Tirar o carregador da pistola, tirar a munição do carregador, fazer o teste de percussor na pistola, manusear a pistola, limpá-la, tirá-la do coldre (o coldre tem uma substância química chamada tanino, para o tingimento de couro, que influi no material da arma e com o tempo ajuda a deteriorá-la) já é estar treinando".
Em suma, o conselho dos instrutores é o mesmo: "Se tiver que usar arma, nunca deixe de treinar. Você conhece algum adulto que na hora que vai levar o garfo à boca, erra e fura o nariz ou o queixo? Não, porque desde criança ele fez este procedimento e o incorporou, então não tem como errar. Se você treina, então sabe o que fazer com a arma na mão". A frase é do Capitão Serpa, mas que certamente poderia ser dita por qualquer um dos entrevistados.
Lilian Ferracini