Quarta-feira, Junho 28, 2006
OS DILEMAS DA SEGURANÇA PRIVADA
por José Luís C. Zamith
Apesar de hoje termos um dos setores que mais crescem no mercado brasileiro, com faturamento na faixa de bilhões de reais, o sentimento que norteia os empresários do setor e os gestores de segurança das organizações é muito diferente daqueles que estão sendo bem sucedidos. Há um ar de fracasso e pessimismo, principalmente pela característica predatória e pela ampliação do mercado informal e desqualificado que hoje permeia os serviços de segurança, fazendo com que empresas especializadas de segurança desapareçam e que a escolha para ocupação de cargos afetos à segurança seja definida pelo valor mais baixo a ser pago.
Este artigo tem como objetivo discutir as causas desta situação e, baseado em alguns autores que tratam de inovação, como Clayton M. Christensen (autor do Dilema da Inovação e o Crescimento pela Inovação), e capital social, como Robert Putnam (autor de Comunidade e Democracia), apresentaremos em três partes algumas tendências do setor. A conclusão do trabalho estará centrada num alerta a todos de dois perigos para a sobrevivência de quem presta serviço de segurança privada: uma inovação de ruptura e o poder regulatório do Estado.
Assim, na primeira parte, falaremos do contexto atual da segurança sob o ponto de vista dos atores da segurança, centrando nas deficiências do profissional que hoje presta o serviço e na fragmentação das associações representantes dos segmentos da segurança privada. Na segunda parte, apresentaremos a commoditização dos serviços e alertaremos para o momento propício a ruptura. Por último, buscaremos estimular o controle dos desafios que se avizinham, citando alguns exemplos de sucesso, enfatizando principalmente que a solução está em conseguir administrar a mudança antes que sejam atingidos por ela.
Os atores de segurança
O serviço de segurança começou a ter atuação destacada dentro do contexto brasileiro, a partir da criação e fortalecimento do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), a partir de 1964. Com a difusão da doutrina entre as estruturas civis, engendrou-se um conceito de segurança pautada numa doutrina militar e ligada à atividade de inteligência, que até hoje perdura nas organizações.
Entretanto, se a extinção do SNI deixou um vácuo na doutrina, a redemocratização privilegiou o fortalecimento e desenvolvimento de associações que, independentemente da postura ideológica em relação ao regime existente, permaneceram reprimidas ou representavam interesses bem claros para a manutenção da estrutura. Assim é, que diversas associações representativas da área de segurança apareceram como forma de defender e representar os interesses dos principais segmentos da segurança, como a Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores, os Sindicatos das Empresas de Segurança Privada dos Estados, a Associação Brasileira das Empresas de Segurança Eletrônica.
Apesar do rompimento da idéia de segurança nacional para uma ampliação da idéia de segurança empresarial e uma preocupação com a segurança no próprio ambiente das organizações, o direcionamento tão específico para as atividades que estas associações representavam e ainda hoje representam, fez com que todo o restante do campo de atuação da segurança permanecesse "órfão". Com isso, eclodiram outros tipos de associações como a OSAC (Oversea Security Council), a ABSO (Associação Brasileira de Segurança Orgânica), os Capítulos (filiais) ASIS São Paulo e ASIS Rio de Janeiro de uma entidade internacional de profissionais de segurança (American Society for Industrial Security - ASIS) e a ABSEG, Associação Brasileira de Profissionais de Segurança, além de outras entidades locais que tratam sobre o assunto.
Não obstante, a capacidade de organização do setor que poderia se tornar o alavancador e responsável pelo desenvolvimento não obteve o que se esperava. Pelo contrário, o excesso de fragmentação de idéias e de entes representativos, além do desequilíbrio entre estas associações, fez com que até então, pouco se conseguisse na ampliação das possibilidades dentro das esferas corporativas. É como Putnam afirma sobre comunidades cívicas que buscam o associacionismo, "se não houver uma transcendência de um objetivo que sobreponha os interesses materiais imediatos da família nuclear", ocorrerá uma "incrível falta de ação deliberadamente pactuada visando a melhorar as condições da comunidade".
Grande parte deste desequilíbrio é permeada pela falta de vinculação da atividade de segurança da organização dentro de uma perspectiva regulamentada pelo Estado. A Constituição Federal (CF) de 1988 manteve a lacuna doutrinária, apesar de estabelecer competências na esfera da defesa. Entretanto, em momento algum preconiza responsabilidades explicitamente sobre a segurança das organizações e sobre políticas específicas e competências, aumentando ainda mais a desarticulação do setor, deixando para outras leis a regulamentação dos serviços (a Lei 7.102, as Leis 8.863 e 9.917, a portaria do Departamento da Polícia Federal, nº 992 de 25 de outubro de 1995 que alteram a Lei 7.102, buscando regular uma gama maior dentro das possibilidades da segurança).
É de se observar que não há nada que diga ou informe como deve ser a segurança das organizações. Não há regulamentação do profissional, não há um plano para dar diretrizes ou uma orientação dos requisitos essenciais para as organizações desempenharem suas atividades com segurança ou até para contribuir na segurança pública e o que se pode esperar dos serviços que lhe são prestados como tomadora de serviços. Assim, percebe-se que este campo vem aumentando muito mais por força da legislação aliada ao crescimento econômico, do que pela consciência do campo de abrangência e da perspectiva de uma nova abordagem da segurança.
Contribui com isto a falta de um desenvolvimento metodológico dos serviços de segurança. No Brasil, o estudo da segurança no campo da administração é muito pouco explorado e esta característica se reflete na situação existente. Conseqüentemente, o reflexo disto é sentido com a replicação da literatura estrangeira ou por massificação de certificações internacionais, em desacordo com a realidade brasileira. Acirrando mais ainda o problema, os autores mais recentes, percebendo a possibilidade de mercado e a lacuna sobre o assunto, iniciaram um franco processo de adaptação e tradução de ferramentas de análise e avaliação de riscos aplicáveis a realidade do país de origem e as apresentam como alternativa de atualização da segurança com um enfoque moderno de gestão de riscos.
Ora, é lícito supor que a utilização de estudos e ferramentas oriundas da literatura mundial de forma alguma seja um problema ou algo inaceitável. Por mais científico que seja o método, com capacidade de análise de infinitas variáveis, há de se considerar aspectos ligados a valores, percepções, crenças, cultura, pessoas e particularidades. A aplicação pura e simples, entretanto, acarreta na marginalização de uma atividade, que a torna fora de sintonia com a gestão da organização.
Assim, a formação do profissional de segurança permanece extremamente comprometida. Se por um lado, há uma dificuldade de percepção de uma nova realidade, por outro, a ausência de literatura técnica mergulha a segurança numa realidade exclusiva de adaptação de projetos e propostas de figuras importantes ou históricas na área.
Conseqüentemente percebe-se que, mesmo havendo uma preocupação com um novo enfoque e a necessidade de se ter um profissional de segurança diferenciado, as raízes permanecem numa doutrina militar replicando uma atividade exclusivamente militar/policial para dentro da organização. Qual a necessidade do gestor em saber manusear armamento, munições e explosivos para gerenciar riscos e prevenir perdas? Por que a empresa, no momento da contratação, não deve optar pelo mercado informal que oferece o serviço com as mesmas características e um preço mais barato, se o que é oferecido formalmente não tem diferença para o que é oferecido informalmente?
Numa pesquisa realizada no Rio de Janeiro, para uma dissertação de mestrado, com setenta executivos de empresas, constatou-se que o fator primário que denigre e coloca o profissional em desvantagem em relação à área é a falta de (ou pouco) conhecimento sobre o que realmente deve desempenhar como atividade para a organização, isto é, qual parcela de contribuição pode ser agregada para a sobrevivência da atividade fim. o contexto gerado em relação ao homem que desempenha tal serviço aliado ao processo já citado, remete a uma pergunta: Será que são só estes os fatores que fazem com que haja um distanciamento tão grande entre o profissional e a atividade que irá desempenhar e mergulham cada vez mais o setor no isolacionismo?
Não. A origem do profissional calcada na militarização da segurança pode acrescentar mais alguns:
1. O militar ao terminar seu tempo de serviço, não tendo nenhuma qualificação que o insira no mercado de trabalho, se vê num dilema que é: a necessidade de trabalho x as exigências do mercado. Com isso, ao realizar uma auto-análise do que é capaz de fazer, elege a segurança (em seu sentido strictu sensu, como está se tratando neste capítulo do trabalho), como campo de realização de suas tarefas. Assim, ao assumir as suas funções, transfere a rotina que desempenhou por trinta anos à organização que lhe acolheu;
2. Já na esfera pública e especialmente nas organizações militares, pode-se observar que os currículos, tanto nas escolas de formação quanto nas de aperfeiçoamento e especialização não contemplam nenhuma disciplina que trate do assunto específico segurança. Por isso, é que o problema também pode ser sentido nas próprias Forças Armadas. Após o aumento crescente de crimes de assalto e invasão a quartéis, nos idos de 2000 aos dias atuais, as preocupações com a segurança do patrimônio aumentaram;
3. Ao se buscar também nas estruturas de formação de agentes de segurança pública, os policiais militares, policiais civis e policiais federais, não há nenhuma cadeira específica sobre a atividade de como realizar uma segurança de uma organização, no sentido latu. Como visto anteriormente na CF de 1988, estes profissionais são formados para agir dentro de suas competências e nenhuma delas prepara para a segurança nas organizações;
A existência de uma carreira com uma formação e um processo educacional específicos que moldam a vida militar já diferem o profissional de outros. Os militares e os policiais não são funcionários públicos como todos aqueles que trabalham na Administração Pública. Missões são diferenciadas, a qualificação do profissional é diferenciada, o risco é permanente e inerente à função. Logo, como lançar mão de um policial ou militar e atribuí-lo a um cargo qualquer dentro de uma organização sem um devido preparo e qualificação específicos à organização e a função? Como esta pessoal pode oferecer um serviço a uma empresa se ele não conhece as necessidades da empresa? Mais uma vez perguntamos, o que difere o serviço que é prestado por uma empresa de segurança para o serviço que é prestado por alguém que esteja realizando o "bico"?
Não se pode eximir de culpa o papel que as organizações e os dirigentes vêm exercendo em relação a este problema. O nível de exigência e aceitação da situação por parte da organização mantém um nível de conforto suficiente para manter o status quo.
Assim é que, a segurança mantém-se subempregada e subutilizada, vigorando como uma fonte de custeio para as organizações de uma forma geral. Independente das especificidades das atividades, o cerne tem sido o mesmo: um serviço de polícia interno mantido por um serviço caduco.
JOSÉ LUÍS CARDOSO ZAMITH - Pesquisador do Núcleo de Gestão de Justiça e Segurança da EBAPE/FGV
Observação: O texto está postado para consulta. Se você for utilizá-lo em pesquisas e trabalhos, não se esqueça de citar a fonte!!!
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- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 10:45 AM
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Quinta-feira, Junho 22, 2006
Como percebemos o risco
por Geraldo da Silva Rocha Netto
Ao longo dos últimos anos, vários autores têm salientado a importância da comunidade em participar em processos de tomada de decisão sobre as medidas de mitigação e gestão de riscos ambientais e tecnológicos. A incorporação das percepções sociais na criação e implementação de medidas técnicas tem sido freqüentemente negligenciadas, reduzindo-se apenas a ações de caráter pontual que geralmente alcançam reduzido impacto nas decisões.
Na determinação do risco associada a determinada atividade, os gestores recorrem usualmente a metodologias que tentam quantificar o risco somente pela avaliação das probabilidades de ocorrência e pela previsão das conseqüências dos mesmos. A percepção social do risco obedece a aspectos bastante diversos, incluindo, essencialmente uma avaliação intuitiva que busca integrar considerações qualitativas como o temor, o potencial catastrófico, o caráter controlável dos acontecimentos, a equidade, incerteza e a confiança na gestão. Tais considerações, muito embora agregadas sobremaneira de juízo de valor refletem aspectos com significado social e político consideráveis, devendo ser incorporadas nos aspectos que influenciam a tomada de decisão.
Ampliando a análise, podemos dizer que estando o risco intimamente associado às dinâmicas socioeconômicas, a dimensão e a intensidade do mesmo não só é percebida diferentemente em contextos diversos, como o nível de aceitação, a adesão das medidas de mitigação e a capacidade de intervir na gestão são igualmente diversas. Podemos dizer que, perante situações de risco, cada contexto social desenvolve reações e comportamentos próprios que se encontram dependentes das suas características culturais, econômicas e políticas, isto é, que as percepções, as atitudes e as práticas utilizadas face aos riscos são, em grande parte, ambientalmente determinadas, mas que não implicam em negar a existência objetiva e material do mesmo.
Assim, neste sentido, o fato de reconhecer que o sentimento de perigo ou acontecimento catastrófico não tem nenhuma correspondência natural a qualquer tipo de instinto de sobrevivência, pelo contrário, é inteiramente formado e desenvolvido pelo jogo simbólico dos sujeitos envolvidos no processo de análise e avaliação de riscos, não implicando negar a materialidade do perigo ou a do acontecimento e sim integrá-lo numa composição de diversos espectros de análise.
Portanto, a existência de um conjunto de fatores, dentro de um contexto definido, no qual o risco é experimentado, além do contexto individual, que contribui para a forma como o risco é percebido e para as diversas atividades que estarão relacionadas com ele, podem ser exemplificados abaixo:
a familiaridade com a fonte de risco;
a aceitação voluntária do risco;
a capacidade para controlar o grau de risco;
potencial catastrófico da fonte de risco;
a certeza acerca do impacto do risco;
o impacto do risco nas gerações futuras;
a percepção sensorial do perigo;
a percepção da justiça na distribuição dos benefícios e riscos;
a percepção da reversibilidade do impacto do risco;
a confiança nos mecanismos e entidades de controle e gestão do risco; e
a confiança nas fontes de informação.
Muito embora vários destes fatores sejam utilizados na representação, avaliação e comportamento face ao perigo, a presença destes critérios na formação de opinião e na tolerância variam consideravelmente entre grupos e culturas diversas. De qualquer forma, a existência de instrumentos técnicos de controle e gestão encontram-se entre os fatores mais importantes na construção da análise e nas maiores ou menores capacidades de aceitação e convivência com o evento gerador de dano.
Geraldo Rocha, CPP - Professor de diversas Universidades na área de segurança
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- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 7:21 PM
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Sábado, Junho 17, 2006
UM ALENTO EM SEGURANÇA PÚBLICA - SEMINÁRIO: A POLÍCIA QUE QUEREMOS
por Cezar Honorato
A decisão do Comando Geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro de produzir o Seminário a Polícia que Queremos, é um das maiores novidades ocorridas no Brasil na área de Segurança Pública. Isto, porque não se trata de um Seminário qualquer montado num ano eleitoral visando dar visibilidade política a um governo que finda ou para acalentar vaidades pessoais, trata-se de um conjunto de ações que convergirão para um grande encontro - o Seminário propriamente dito - que ocorrerá nos dias 18,19 e 20 de julho próximo.
Foram definidos 11 eixos temáticos: pessoal, ensino e instrução, inteligência, comunicação social, operacional, apoio logístico, orçamento e finanças, controle interno, modernização da estrutura tecnológica e participação da sociedade civil organizada.
Os primeiros dez temas, estão sendo apresentados em cada unidade da corporação e funcionarão da seguinte maneira: os grupos de militares de cada patente - de soldado de pré a coronel - apresentam as suas sugestões justificadas por tema, a uma comissão local que as repassa a Coordenação Central. De outra maneira, é possível participar através das caixas de sugestões instaladas em cada unidade, onde a sugestão pode ser depositada sem identificação do autor/ proponente, visando garantir o direito, particularmente dos militares de baixa graduação de se manifestar, sem os controles ou censura de seus superiores. Uma terceira forma é através do envio de mensagens ao endereço eletrônico do Seminário, diretamente para a Comissão Central. E, por último, é por meio das várias Associações de militares da PM - inclusive a dos inativos ou da reserva - que também estão sendo ouvidas e consideradas pela Coordenação Central
A Coordenação Central do Seminário está sendo presidida pelo Comandante do Departamento de Ensino e Instrução, Cel. Ubiratan Ângelo que buscou, inclusive, agregar policiais de várias patentes na sua composição.
Entretanto, a grande novidade e a esperança deste Seminário está afeta ao item 11 do Seminário - participação da sociedade civil organizada. Numa ação inovadora, a PMERJ abre espaço a sociedade civil, indo em direção a participação comunitária nas ações de segurança pública. Neste primeiro momento, convidou o Viva Rio e o Observatório Urbano Estado do Rio de Janeiro a coordenarem a área e apresentarem sugestões, baseando esta escolha nos perfis diferenciados de inserção social que representam: o primeiro, com maior presença junto as Organizações Não Governamentais e o segundo, junto à comunidade acadêmica.
A dinâmica do desenvolvimento do tema 11 está na realização de encontros com vários instituições que já desenvolvem estudos acerca do tema (FIRJAN, FECOMERCIO, UERJ, UFF, UFRJ, etc), em encontros focais com lideranças comunitárias e ONGs de forte tradição comunitária, além de disponibilização de endereço eletrônico para que qualquer cidadão possa dar a sua sugestão para que seja possível se produzir um documento-base.
Esse documento-base - e todos os documentos dos demais 10 temas - será apresentado no Seminário em julho para ser debatido por todos os presentes - ressalvando-se que qualquer pessoa poderá participar do Seminário e, após as discussões temáticas, será incluído num documento único chamado A Polícia que Queremos, que deverá servir de base para o Planejamento estratégico da PMERJ no quadriênio 2007/2011 e entregue ao Comandante Geral no dia 20 de julho.
É objetivo dos participantes do Seminário que uma cópia seja entregue a cada um dos candidatos ao Governo do Estado do Rio de Janeiro nas próximas eleições, à Assembléia Legislativa do RJ, ao Tribunal de Justiça do RJ e a todas as instituições, participantes ou não do Seminário, para que possam ajudar na construção de estruturas mais sólidas no tocante à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
Convém realçar que é o início de um processo de construção de Políticas de Estado na área de Segurança Pública como forma de barrar ações aventureiras e levianas que, normalmente, surgem no calor das campanhas eleitorais e que marcam as flutuações conjunturais de governos.
Como última consideração, vale lembrar que é apenas um início, reforçando o fato de que segurança pública não é apenas um problema da polícia militar, mas de toda sociedade.
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- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 8:32 AM
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Segunda-feira, Junho 12, 2006
O texto abaixo foi apresentado ao Jornal da Segurança no ano passado e apresenta um novo conceito de gestão de segurança:
CPTED (Crime Prevention Through Environmental Design): Uma (nova) técnica na arte da Prevenção
por José Luís C. Zamith
No desenvolvimento de estudos de conceitos aplicáveis à segurança, há soluções utilizando os mais diversos tipos de ferramentas existentes. Em estudo apresentado em Barcelona, no Congresso de Autoridades Locais e Regionais da Europa, em 1987, foram elencadas, sete teorias ou escolas de pensamento de prevenção criminal. Nestas, observa-se que ao longo dos anos em que há o combate e a busca em prevenir a violência, o alvo a ser trabalhado sempre foi o jovem. Ainda constatou-se na análise, que independente do tipo de teoria, há um emprego primordial de todos os meios disponíveis. Como exemplo, a teoria mais atual, conhecida como Target Hardening, propõe a introdução maciça de sistemas de alarmes e vigilância eletrônica atuando de forma combinada e direta no acompanhamento dos passos do usuário do ambiente.
Entretanto, apesar de diversas escolas de pensamentos mais modernas, há uma que permanece efetiva, devido à aplicação eficiente e eficaz no combate a violência: um conceito conhecido internacionalmente como CPTED: Crime Prevention Through Environmental Design (Prevenção Criminal Através do Desenho Ambiental). Este conceito foi desenvolvido por Oscar Newman, em 1972, através de seu livro Espaço Definido: Prevenção do Crime através do Desenho Urbano, que, posteriormente, passou a ser desenvolvido no mundo todo. Pode ser definido com algumas palavras ditas por Dr. C. Ray Jeffrey, em seu livro Crime Prevention Through Environmental Design: CPTED é manipular o próprio desenho do espaço, com o efetivo uso da construção do ambiente, podendo ... proporcionar a redução do medo do crime e sua incidência, aumentando a qualidade de vida.
Qualquer tipo de solução de segurança, facilmente se justifica, a partir do momento em que a ameaça aos valores humanos envolvidos num cometimento de crime ou num ato de violência já justifica o emprego de qualquer medida ou conceito. Nesta linha de raciocínio, só o fato de empregar qualquer técnica, e em especial, desenvolver o estudo do CPTED pode ser considerado como solução ao problema.
Por quê o CPTED? Porque, dentre suas estratégias de emprego, aborda problemas que hoje são insolúveis. Como conseqüência, como técnica de planejamento de segurança propicia medidas concretas de aplicação imediata e padronização de ações capazes de gerar um clima de conscientização. Isto será o primeiro passo para alcançar o que tanto se deseja: o sentimento de estar seguro.
Secundariamente, acarreta em redução de custos a longo prazo. Encarar a alteração na arquitetura e/ou na paisagem como gasto é um erro. Os recursos aplicados são investimentos contra perdas futuras, que normalmente trariam custos diretos (contramedidas) e indiretos (imagem, medo, insegurança, desconfiança, entre outros).
Na pesquisa do cenário brasileiro, constata-se que as políticas de enfrentamento têm sido usadas de forma bastante empírica, sem metodologia, e, em sua maioria, com propostas baseadas nos critérios de erro-e-acerto - gerando ainda, perdas e gastos desnecessários. Assim, é nesta lacuna que o CPTED se apresenta, como vanguarda no estudo das aplicações de teorias científicas para a resolução de problemas de segurança. A maioria das medidas convencionais de segurança dá ênfase em proibir e incutir o medo naqueles que desejem realizar o crime. Ataca-se o opressor proibindo e impondo-lhe o medo.
Enquanto isto, um pouco mais distante de uma visão tão restrita como as convencionais se posicionam, está o CPTED. Na Prevenção Criminal através do Desenho Ambiental, o foco está no comportamento. O conceito não se posiciona apenas em negar o acesso. A meta é o envolvimento do esforço para integrar o desenho, com o usuário e com os sistemas de segurança, garantidos por uma vigilância consistente com o propósito do desenho e uso do ambiente. Gera-se um controle informal do grupo. O psicológico do usuário do ambiente é bastante trabalhado no sentido de que as mudanças devem gerar uma sensação de segurança e transferir o risco ao ofensor. A insegurança, o medo de ser pego, aliados à ausência de oportunidade fazem com que aqueles que são a ameaça, se afastem dos ambientes que possuem estas características.
As premissas básicas do CPTED sempre envolvem a busca em intervir na oportunidade do crime; atuar no medo do crime, invertendo os papéis de quem tem medo; e, no mais importante, que é proporcionar e buscar a qualidade de vida da comunidade ou da empresa (tudo que se apresenta é transferível do setor público para o privado). Hoje, as doutrinas da arquitetura atuam cada vez mais na busca da satisfação da pessoa, tanto nos aspectos psicológicos quanto físicos. A incorporação da segurança como ferramenta da arquitetura, em muito elevará os níveis das condições do ambiente e desenhos arquitetônicos. No Reino Unido, por exemplo, criou-se um selo de qualidade Secured by Design, que promove a integração entre os projetos de arquitetura e os gestores de segurança.
Neste escopo, não se deve esquecer que qualquer projeto de ambiente, além da designação a que se propõe e da definição do que será, deve-se preocupar com o envolvimento do todo. O pleno funcionamento vai ser alcançado com o que o espaço consegue suportar. E é assim que se apresenta o CPTED como uma saída para alguns problemas, que hoje, acarretam gastos altíssimos, soluções desintegradas ao negócio e, na pior das conseqüências, a permanência do sentimento de insegurança do usuário do ambiente.
JOSÉ LUÍS CARDOSO ZAMITH - Pesquisador do Núcleo de Gestão de Justiça e Segurança da EBAPE/FGV
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- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 9:41 AM
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Quarta-feira, Junho 07, 2006
Policiamento Comunitário: fator estratégico para implantação de política pública de Segurança
Por José Luís C. Zamith
No Brasil, a implantação do policiamento comunitário, espelhado em alguns projetos de combate ao crime de sucesso, foi realizada por meio do Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE), adotado no Rio de Janeiro, na comunidade de morros da Zona Sul e do FICA VIVO, no Morro das Pedras, em Belo Horizonte. Estes projetos causam alento de que é possível uma reordenação na situação ora existente, tanto no aspecto do enfrentamento, como na resposta do meio à nova abordagem. A característica deste novo enfoque está no novo modo de atuação policial, com uma participação ativa e coordenada da população e no estudo profundo da origem do problema - a sociedade. O conceito busca resultados tendo como uma de suas premissas básicas um gerenciamento pautado na prevenção (não esquecendo de um planejamento para casos que necessitem de repressão).
O enfoque principal da estratégia consiste na busca constante da legitimação das ações policiais pela sociedade, incluindo até o uso da força em suas obrigações legais. Em decorrência, há uma primeira alteração conceitual em relação ao que hoje é aplicado. Existe a necessidade de vincular as atitudes a serem desenvolvidas e os seus resultados conseqüentes não a uma situação imediata, e sim coadunar uma política maior e apresentar rumos que obriguem o alinhamento ao objetivo almejado, que é a segurança do cidadão.
Diversos países têm utilizado em todos os segmentos e parcelas da sociedade, os conceitos de forma bastante ampla e têm desenvolvido alguns métodos de aplicação norteados pelas características de cada local implementado. É curioso perceber o nível de integração e discussão com que as aplicações vêm sendo utilizadas. As mudanças vêm alterando a organização, as dimensões do próprio trabalho desenvolvido, a percepção e as atitudes de todos os envolvidos e o comportamento individual do cidadão.
Adotar uma postura que busque a resolução do problema significa assumir uma gestão de policiamento comunitário que acredite que pode haver um estabelecimento de confiança entre cidadão-policial, isto é, que a participação do cidadão seja aceita e, por outro lado, que a intervenção do policial seja considerada uma ação para o bem-estar público. Fazer isto é reconhecer que as mudanças são encorajadoras e necessárias para a alteração da situação existente.
Entretanto, realizar o policiamento comunitário não significa apenas uma maior aproximação do público, um policiamento mais ostensivo ou qualquer outra forma que apresente canais de comunicação com a estrutura de segurança, isto é, alterações ou implementações tático-operacionais. Realizar a estratégia, em sua concepção implica em criar uma primeira linha de defesa exercida permanentemente com a população. Portanto, significa angariar ¿novos policiais¿ para o seu trabalho.
Logo, a necessidade de atender de forma bastante particular e direcionada obriga a alterações na estrutura atual. Isto significa alterar o modelo weberiano da maioria das estruturas policiais militares. O modelo clássico da Administração Pública, adotado nas organizações, tem algumas características que influem diretamente no modelo de gestão das polícias e na concepção vigente de segurança:
- Existência formal de normas e regulamentos escritos e minuciosos, impondo limites e amarras como forma de reprimir ilegalidades, mas ao mesmo tempo distanciando o policial do contato com o cidadão;
- Divisão de trabalho ou especialização de funções com relações altamente impessoais, propiciando uma dificuldade de visão dos problemas pelas autoridades decisoras;
- Padronização de comportamento por meio de uma descrição de cargo e/ou de funções, obrigando o tratamento dos riscos em todas as comunidades a serem iguais e irreais com as características do local;
- Hierarquias estruturadas com autoridades bem definidas, dificultando uma aproximação maior entre o decisor e o executor, propiciando uma parcela diminuta de informação para o agente da ponta da estrutura e aumentando o tempo de resposta da instituição ao anseio da sociedade.
Uma visão de conjunto destas características básicas revela que a gestão é invariavelmente forte e com uma centralização burocrática grande na busca de lidar com as incertezas do cotidiano. Mesmo assim, na atual situação da segurança pública, aspectos como a legalidade, a racionalidade, a formalidade, a impessoalidade e a previsibilidade de comportamentos destas instituições policiais não conseguem garantir fatores como legalidade das ações, competência no trato com o público e na perspectiva de atendimento aos anseios populares, nem tampouco isenção na prestação de serviços como ente estatal.
Existe uma grande distância entre as virtudes do modelo clássico e as disfunções supervenientes da execução prática. A aplicação à realidade hoje, demonstra a fragilidade do modelo perante as novas demandas e as transformações dos problemas antigos em situações novas a serem enfrentadas, demonstrando e emergindo problemas burocráticos que acarretam em situações intermediárias em finalísticas, numa concentração enorme de autoridade e num distanciamento cada vez maior entre o público e a polícia, com a conseqüente frustração de toda a sociedade.
A alteração para o enfoque do policiamento comunitário propiciará, dentre uma das conseqüências, uma estrutura mais descentralizada que acarretará num certo grau de independência capaz de permitir maior integração entre os atores envolvidos no processo, no aprimoramento de mecanismos de governança e um combate mais efetivo às origens do fenômeno da criminalidade. A descentralização da gestão significará não apenas desconcentrar como forma de delegação da execução do planejamento com uma parcela maior de autonomia no contato entre policial e cidadão. Muda-se o escopo de postos de atendimento geográficos para unidades funcionais com a perspectiva de transferência da execução e parte do planejamento de ações, propiciando parte do poder de decisão da formulação de estratégias, de forma a atender especificamente as áreas de atuação destas unidades.
Indo mais além, a descentralização pode acarretar em: 1. Organizar a prevenção do crime tendo como base a comunidade; 2. Reorientar as atividades do patrulhamento para enfatizar os serviços não-emergenciais; 3. Aumentar a responsabilização das comunidades locais. O público ganha uma abrangência muito maior, além, da simples participação. Permite-se o envolvimento nos aspectos de contato, no planejamento, na discussão, na decisão e até na execução. Por outro lado, amplia-se o conhecimento e o atendimento aos desejos dos cidadãos não somente no que concerne a delitos e contravenções, e aumentam-se as oportunidades e possibilidades de prevenção.
Desta formulação geral, as unidades e instâncias antes operacionais se transformam em pequenos pólos de gestão da segurança nos locais que lhe são de responsabilidade. Advindo disto, obrigar-se-á a uma composição de equipes de gerenciamento coordenadas pela polícia, mas com conselhos de representação de moradores da comunidade, tendo como propósito desmontar o centralismo das decisões e expandir a responsabilidade das ações a serem adotadas, sempre como forma de atender as demandas apresentadas por cada local específico. Buscar-se-á identificar as peculiaridades concernentes à gestão, no desenvolvimento de uma abordagem diferenciada, de forma a atender os objetivos de prevenção, com um enfoque sistêmico e interdisciplinar comprometido com políticas que atendam à realidade.
A aproximação com a comunidade se reveste de excepcionalidade e incerteza, o que exige também um maior preparo para quem terá a tarefa de decidir, além de um acúmulo de informações para o processo decisório. No contexto envolvido, toda e qualquer ação policial não significará apenas cumprir o preceito constitucional e a missão de sua instituição. Significará sim, agir legitimado pela população local envolvida. Por outro lado, a ampliação do espaço de participação, formalizada ou não, dilui a responsabilidade da aplicação da lei, bem como propicia à comunidade uma autoridade e um papel dentro das atividades envolvidas, constituindo em espaços de potencialização para a transformação qualitativa dos padrões de gestão.
O caráter mais democrático da gestão pública e seu potencial para interferir no modus operandi da ação policial não podem deixar de ter o crime como objetivo principal de atuação do conselho. Isot significa dizer, que apesar da possibilidade de ouvir as comunidades em relação aos seus problemas (de forma geral), num primeiro momento interessará gerar políticas e ações para prevenir e coibir o cometimento de crimes. Todos os outros fatores envolvidos devem permear a tarefa constitucional atribuída à polícia, incluindo os limites legais que lhe são impostos. Isto preserva a legalidade, a não intromissão e o não cometimento de excessos.
Obviamente, a geração de conflitos também será uma grande conseqüência desta nova estratégia. Na fase inicial, o nível de insatisfações tende a aumentar, visto que a interação é maior, as crises são maiores, as reclamações aumentam e o governo se defronta com a obrigação do atendimento direto aos anseios da população. Aspectos que não eram levantados ou reclamados por total falta de crédito na Instituição, tornam-se mais aparentes. Este é o cerne da questão e o objetivo a ser alcançado.
Contudo, há dois grandes aspectos envolvidos na ampliação dos poderes dos executores do policiamento que suscitam dúvidas e se apresentam como dificuldades a serem superadas. À medida que se descentraliza, mais difícil se torna manter o controle sobre a situação. Desta forma, o policial se torna mais suscetível à corrupção, aos abusos e excessos, às violações de conduta e a quaisquer outros tipos de atos de improbidade e ilicitudes proporcionados por uma privacidade maior no exercício da atividade - isto não quer dizer que estas ocorrências aparecerão apenas no novo modelo. É fato, que hoje o modelo existente possui todos os vícios que poderão ser acentuados com a implantação do novo enfoque; o segundo aspecto é que há uma diminuição do poder e da influência das autoridades de maiores níveis hierárquicos, que se vêem com poder de influência e mando diminuídos e que, como conseqüência, tem uma oportunidade de eximirem-se como comandos de unidades centralizadoras, das responsabilidades do tratamento e resposta direta às comunidades:
Desta forma, como saída para estes dois problemas levantados, é inafastável concluir que no relacionamento cujo escopo pressupõe autonomia de atuação, a fiscalização e o controle se tornam essenciais no desenvolvimento do programa. Assim, sistemas de registro de ocorrências devem ser melhorados e aprimorados, fiscalizações periódicas e inopinadas devem ser implantadas e mecanismos de punição devem ser aperfeiçoados para permitir rapidez, eficiência e respostas à comunidade.
Conseqüências da abordagem fazem parte da maneira como o programa irá ser gerenciado e como os aspectos políticos e sociais influenciarão positiva ou negativamente para a sustentação das mudanças. Diversos políticos em campanha eleitoral, ou governantes em momentos de crise na segurança pública apontam à abordagem do policiamento comunitário como saída para a melhoria da situação. O grande questionamento que se apresenta ao perceber que há um potencial enorme e uma possibilidade de alcançar o sucesso reside na pergunta: Por que então, até hoje, não foi ampliado o conceito?
JOSÉ LUÍS CARDOSO ZAMITH - Pesquisador do Núcleo de Gestão de Justiça e Segurança da EBAPE/FGV
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- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 10:26 AM
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Sábado, Junho 03, 2006
SEGURANÇA, MEDO E INFORMAÇÃO PÚBLICA
por George Felipe de Lima Dantas
O medo do crime passou a fazer parte da vida contemporânea. Segundo estudos realizados sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU), dois de cada três habitantes das grandes cidades globais serão vítimas de algum tipo de crime em um espaço de tempo de cinco anos. Isso demonstra a existência de um potencial de medo que, em relação à insegurança pública, não é ilusório, mas resultante de uma situação real a que está exposta grande parte (mais de 60%...) da população urbana do mundo.
Diante da estatística da ONU citada, o medo resultante da insegurança, genericamente considerando, está fundamentado em uma percepção muito próxima, ou até mesmo congruente, com a realidade dos fatos. Tal medo, entretanto, pode ser influenciado pela desinformação, ou até mesmo informação enganosa sobre o crime e a violência. A ausência de informação, ou mesmo a difusão de informação enviesada sobre questões de segurança pública, tanto pela mídia quanto pelo poder público, pode ter um efeito bastante negativo sobre a qualidade de vida, bem como sobre a integridade dos indivíduos e das comunidades.
O medo pode ser algo saudável ou doentio. Ele é saudável quando produz hábitos e atitudes que favorecem os indivíduos e as comunidades. As condutas preventivas, ou proativas, usualmente resultam de um "medo saudável" e que pode conduzir à preservação. Um bom exemplo desse tipo de medo, na atualidade, é o de contrair uma doença sexualmente transmissível. Ele faz com que as pessoas adotem a conduta do chamado "sexo seguro", o que se traduz na adoção de medidas de proteção individual.
Já o medo doentio se expressa por uma reação de angustia desnecessária em relação a algo que apenas remotamente poderia afetar aquele que é presa do medo, ou pior ainda, àquilo que não é possível evitar. É o medo obsessivo, por exemplo, de ratos ou de "ficar velho". Tal tipo de medo pode produzir tanta angústia e desconforto, ao limite da paralisação, afetando negativamente a qualidade de vida.
A visão distorcida das coisas pode fazer com que as pessoas percebam perigos que não são reais, com isso produzindo um medo baseado em premissas ilusórias. A distorção e a ilusão, com referência ao medo, também podem produzir um efeito ao reverso do já citado. A mesma visão distorcida e ilusória pode também fazer com que perigos reais não sejam percebidos, levando a crer em uma segurança realmente inexistente. Assim, o medo pode ser algo saudável e necessário, na medida em que produza uma cautela que servirá como fator indireto de proteção contra diferentes perigos.
Os órgãos de segurança pública, a mídia e até mesmo o imaginário popular são fontes de informação e, por isso mesmo, de formação de opinião sobre o crime e a violência. A maioria das pessoas não percebe com clareza o problema do crime, ou da chamada criminalidade de massa, de prevalência global, e que incide predominantemente sobre o patrimônio material sob a forma de freqüentes e pequenos delitos, caso dos furtos. Ao contrário, a maior parte da comunidade é constantemente exposta a informações enviesadas sobre crimes problema. Entre eles figuram os homicídios, seqüestros, roubos e outros delitos, não tão freqüentes, mas de grande impacto social pela violência com que são perpetrados. Informações sobre crimes problema podem ser tendenciosamente disseminadas com diferentes motivações, entre elas, entreter acerca do que é fora do comum, explorar a curiosidade pública, ou até mesmo angariar simpatia ou promover antagonismo político-eleitoral.
Uma outra questão importante são as variáveis pessoais em relação à questão do medo do crime. A percepção de alguém sobre o crime pode estar associada ao fato de que seu local de residência sustente uma alta incidência de crimes ou de condutas anti-sociais (incivilidade e condutas adversas que não constituam crimes), que o indivíduo já tenha sido vítima de algum delito ou, menos objetivamente, que ele se sinta vulnerável, isolado e impotente diante do crime e da violência. Uma outra variável ainda é o tipo de indivíduo, condicionando percepções específicas do que seja amedrontador. Enquanto as mulheres, genericamente, temem especialmente os delitos sexuais, os jovens receiam a violência física perpetrada por outros jovens, os idosos a possibilidade de ter seu local de residência violado, enquanto os adultos jovens preocupam-se especialmente com a segurança dos filhos.
Em meio a uma verdadeira torrente de mensagens desencontradas sobre o crime e a violência, é um dilema para o poder público o provimento de informação pública sobre o tema, incluindo a quantificação do risco para delitos violentos, estabelecimento do perfil típico de vítimas e criminosos, bem como a indicação dos dias, horários e locais de risco.
Sem essas informações, a cidadania deixa de saber o nível real de perigo a que está vulnerável, do qual passa a ter consciência apenas sob a ótica ilusória do entretenimento, do sensacionalismo ou mesmo da exploração política.
Desinformada ou mal informada, a população acaba tendo de tentar descobrir, por ela própria e intuitivamente, o risco a que está submetida. A desinformação gera medo, ou pior ainda, imprudência, fruto de percepções muitas vezes infundadas. O antídoto para isso, boa informação pública sobre o crime, é um tema ainda bastante controvertido no Brasil, mormente quando se trata de produzir e difundir estatísticas criminais oficiais.
Tanto no Brasil quanto em qualquer outro lugar do mundo, as conseqüências da criminalidade podem ser extremamente graves: mortes, lesões, traumas, etc. Conseqüentemente, a maioria das pessoas, na dúvida, imagina o pior, o que pode gerar angústia, stress e medo. A materialização dessa situação trouxe para o cotidiano brasileiro os vigilantes de domicílios, cães de guarda, grades, alarmes, circuitos fechados de televisão, cercas, etc. Toda essa parafernália já caracteriza uma espécie de "medievalização" da arquitetura das grandes cidades do país. Com a retração da comunidade, amedrontada, para espaços privados cada vez mais fortificados, os espaços públicos vão ficando vazios, desertos e cada vez mais perigosos. Ganham os delinqüentes, ao mesmo tempo em que perde a comunidade, já que seu lugar de socialização e articulação¿o espaço público¿passa a estar abandonado em função do medo e do isolamento social que ele produz. A desinformação ou o conhecimento ilusório das condições de segurança certamente contribuem para tudo isso.
Prof. Dr. George Felipe de Lima Dantas é Coordenador de pós-graduação em Gestão da Segurança Pública da UPIS - Faculdades Integradas
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Quarta-feira, Maio 31, 2006
UMA REFLEXÃO SOBRE A POLÍCIA JUDICIÁRIA
por Estanislau Robalo
Há anos o Brasil vem sofrendo um processo de esgarçamento no seu sistema de segurança pública. Os órgãos responsáveis pela contenção da violência social não estão mais conseguindo manter a criminalidade em níveis suportáveis pela sociedade, o que leva a instabilidade coletiva, principalmente porque os criminosos dão a impressão que estão bem mais organizados para delinqüir do que o Estado para prevenir e reprimir as ações dessas pessoas e organizações, que fazem do crime suas profissões.
Já se disse, alhures, que a quantidade de segurança pública não se mede pelo número de pessoas que a polícia prende ou mata, nem pela eficiência dela no esclarecimento dos crimes e, tampouco, pela produção de inquéritos remetidos à justiça, mas sim pela qualidade do serviço de prevenção às condutas anti-sociais, que fomentam a sensação de insegurança do corpo social. Afinal, o Estado não pode ser eficiente na punição e deficitário na prevenção, pois no momento em que o crime acontecer, em que for consumado, o Estado já falhou na sua missão preventiva. O rápido esclarecimento da autoria não devolve à vítima o status quo de antes da ação criminosa ser consumada. Temos que considerar ainda, que a falha na prevenção vai projetar na vítima ou nos seus familiares um dano psicológico que os acompanhará pelo resto da vida.
Não podemos esquecer ainda que segurança pública, apesar de ser dever do Estado, é também responsabilidade de todos e de cada um de nós. Portanto, cada pessoa é responsável pela pacífica convivência social, através da preservação da ordem pública in-terna, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, nos termos da Constituição Federal. É lógico que nossa responsabilidade pela segurança coletiva deve ser exercida dentro da ordem legal. Não implica isso, que cada pessoa se arvore na função de policial e saia pelas ruas cumprindo o papel ostensivo da polícia preventiva. Mas sim, de interagir com os órgãos do sistema de segurança pública, contribuindo na construção de políticas preventivas, capazes de reduzir a incidência da criminalidade. Participar do planejamento das ações da polícia, nas definições das estratégias que devem adotar para atingir as metas estabelecidas a curto, médio e longo prazo e, finalmente, acompanhar a implementação das políticas estabelecidas, contribuindo na análise dos resultados e nos ajustes necessários para que sejam alcançados os objetivos colimados. Só com a participação coletiva é que nós vamos construir uma segurança pública de todos e para todos, uma segurança cidadã como defende o professor Cezar Honorato - Presidente do Observatório Urbano Estado do Rio de Janeiro.
O avanço da criminalidade não é uma peculiaridade brasileira, é um fenômeno, se assim podemos definir, de ordem mundial. Antes mesmo da globalização da economia, o crime, que não depende de convenções ou tratados, já estava globalizado. Portanto, a reflexão a ser feita acerca desse fato social, a nosso juízo, deve ser de forma sistêmica. Precisamos enxergar o todo para atingir a parte que podemos neutralizar.
A Constituição Federal define com precisão os papéis das polícias estaduais, cabendo às polícias militares o trabalho ostensivo e preventivo da ordem pública, e às polícias civis o trabalho de polícia judiciária na apuração de infrações penais por meio de investiga-ção. Agora, em face do aumento da criminalidade nos municípios brasileiros, as guardas municipais começam a aparecer ocupando um espaço nada desprezível no cenário da segurança pública, restando apenas às autoridades definir em que áreas e quais os limites de competência das guardas na prevenção das condutas anti-sociais.
Apesar de a Constituição Federal definir a função de polícia judiciária à polícia civil e ostensiva à militar, não o faz de forma exclusiva. Isto é, a repressão e a investigação do crime não são privativas da polícia civil, nem tampouco a atividade ostensiva e preventiva é uma função que deva ser exercida exclusivamente pela brigada militar. Há, portanto, um sinergismo na atuação desses dois órgãos que, na verdade, deveriam ser unificados. Em certas circunstâncias, tanto a polícia civil atua na prevenção quanto a polícia militar na repressão do crime.
Assim, constata-se a dupla função das polícias civil e militar. Em seus comentários, o jurista Pinto Ferreira dá total visibilidade à dupla função da polícia civil, afirmando que sua função administrativa aparece quando ela ¿assegura a ordem pública, buscando impedir ou impedindo a prática de um crime, com uma atuação preventiva¿, e na função judiciária, ¿atuando depois do crime, ela é repressiva, colhe ou coleta os elementos do crime, para permitir a fundamentação da ação penal¿. Já o mestre Álvaro Lazzarini, destaca a função repressiva da polícia militar que se dá quando ela age no instante ou imediatamente após ter ocorrido o delito, ¿sem violação do dispositivo constitucional, pois quem tem a incumbência de preservar a ordem pública, tem o dever de restaurá-la, quando de sua viola-ção¿, afirma o referido mestre.
Estamos conduzindo nossa reflexão sobre o avanço da criminalidade na tentativa de identificar alguns problemas afetos à polícia judiciária, tendo como paradigma o pen-samento do professor José Luís Cardoso Zamith - Pesquisador do Núcleo de Estudos de Justiça e Segurança da EBAPE/FGV, de que ¿o problema da segurança pública não é de polícia, e sim de gestão¿. Temos, porém, que ressaltar que até bem poucos anos a sociedade não reconhecia a existência e nem o papel que a polícia desempenhava na vida social. Basta ver que o primeiro seminário brasileiro para se discutir o papel da polícia judiciária aconteceu em novembro de 1989, na Faculdade de Direito da USP. Isso revela que os pensadores ignoravam o papel social da polícia. Marginalizada, a instituição não se preocupou em se modernizar, investir em inteligência para fazer frente à evolução do crime. Assim, continuou utilizando empíricos métodos de trabalho, que raramente passam de ¿um conjunto de intervenções policiais, reativas e fragmentárias, determinadas pelas tragédias cotidianas¿, como sustenta o sociólogo Luiz Eduardo Soares.
Nesse contexto, para o bom desempenho do seu mister, a polícia judiciária enfrenta problemas de ordem estruturais, materiais e humanos. Ela trabalha em estruturas a-nacrônicas, com muitos equipamentos obsoletos e com um efetivo muito aquém do neces-sário. Carece de liderança e de uma equipe pensante dentro da própria polícia, que conduzam às renovações recomendáveis. Não dispõe de um moderno setor de inteligência que lhe permita detectar, com antecedência, qualquer plano de conduta anti-social, monitorá-lo e evitar que a ação criminosa se consuma. Além da falta de liderança e de pensadores, a polícia judiciária não conta com uma área de recursos humanos, tão valorizados na iniciativa privada. Mas não é só. A carreira policial também é desestimulante por ser constituída de três sistemas: investigador, escrivão/inspetor e delegado. Quem ingressar na polícia como agente sabe que jamais sairá dessa condição, a não ser que estude e passe no concurso para delegado. Nos países desenvolvidos, todo policial inicia a carreira fazendo policiamento de rua, mas sabe que, dependendo de suas habilidade, pode chegar ao comando geral da polícia. Aqui isso é impossível. Em se tratando de vencimentos, há uma discrepância abissal e insuportável, pois um delegado em fim de carreira pode ganhar até quinze vezes o que uma agente em início de carreira ganha. Olhando por esse ângulo, o pesquisador Romeu Karnikowski visualiza, de um lado, um processo de elitização na carreira dos delegados, e do outro lado, a precarização na carreira dos agentes.
Como se tudo isso não bastasse, a polícia judiciária não faz estudo das estatísticas que dispõem, o que lhe permitiria conhecer bem o perfil dos criminosos e das vítimas para elaborar um plano de trabalho, nem tampouco conta com um moderno sistema de comunicação, que facilitaria a interação entre os diversos órgãos da mesma instituição, otimi-zando o serviço e tornando-a mais ágil e eficaz.
Finalmente, a grande maioria das polícias judiciárias não dispõe de uma assessoria de controle e aperfeiçoamento da atividade policial, como instituiu o delegado de polícia Milton Watanabe Tocikazu, Diretor-Geral da Polícia Civil do Mato Grosso do Sul, responsável pela realização de treinamento e atualização, visando o aperfeiçoamento, reciclagem e garantindo a constante modernização dos métodos de trabalho. Afinal, tudo isso é fonte de desestímulo dos profissionais da polícia judiciária, inclusive pela ação das corregedorias que, ao invés de fazer um diagnóstico interno para descobrir onde os policiais estão errando e corrigi-los, cumpre apenas o papel de órgão repressivo e disciplinador. Aliás, segundo a psicóloga Nancy Cárdia, coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, na polícia do Brasil ¿não se percebe nenhuma mudança nos últimos 100 anos¿, o que é lamentável.
Na outra ponta da questão vamos nos deparar com a incapacidade de gestão na polícia judiciária. Essa incapacidade se revela pela dificuldade que os responsáveis pela administração da polícia têm em trabalhar com estatísticas. Apesar de dispor do melhor banco de dados sobre a violência e criminalidade, os administradores da polícia judiciária demonstram inabilidade para analisá-los e, a partir das análises, elaborar planos de ações. Dentro desse contexto, percebe-se que a polícia civil precisa de pessoas comprometidas com a modernização da polícia e qualificadas em gestão administrativa para gerir os recursos disponíveis, através de projetos focados em melhor resultados para a sociedade e com reflexos positivos para a instituição.
Para tanto, os administradores da polícia civil devem começar por fazer um preciso diagnóstico para identificar as vulnerabilidades e os pontos fortes da instituição. A partir daí, elaborar um plano de ação capaz de corrigir as vulnerabilidades e reforçar o que está funcionando bem. Todavia, os administradores da polícia não demonstram essa preo-cupação.
Daí porque, a polícia judiciária não se preocupar com a elaboração de um bem elaborado planejamento de ação, com estratégias claras e metas bem definidas, a serem atingidas a curto, médio e longo prazo. Um planejamento que conte com a participação da sociedade e quadro funcional, a fim de comprometê-los com o resultado. Um planejamento participativo, com prévio diagnóstico e formulação de soluções inovadoras e arranjo de implementação em rede. estabelecendo uma metodologia de trabalho voltada para o resultado.
Como a polícia judiciária não opera de forma padronizada nem conta com uma metodologia de trabalho, atuando sempre ao sabor dos acontecimentos, talvez, por isso, não elabora um plano de gestão que contemple suas reais necessidades. Por isso, somos da opi-nião que se deve criar um corpo de gestores dentro dos quadros das polícias judiciárias, compostas por administradores não integrantes da carreira, para administrá-la, tendo em vista que os delegados de polícia, atuais responsáveis também pelo comando administrativo da polícia, já revelaram que não têm qualificação para tal desiderato. A formação deles é de policial e não de gestores. Portanto, é uma heresia os governantes mantê-los no comando administrativo das polícias, pois é evidente que eles não têm o perfil de gestor. Quem sabe a solução está na quebra de paradigmas?
ESTANISLAU ROBALO ¿ policial civil¿ Especialista em Segurança pela FSG-RS e estudioso dos problemas ligado à segurança pública em Caxias do Sul ¿ RS.
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- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 7:45 PM
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Domingo, Maio 28, 2006
Esta palestra foi apresentada em Conferência apresentada na Jornada de Debates sobre Segurança Cidadã, Um Conceito de Segurança Pública da Universidade de Caxias do Sul , Caxias do Sul, RS, em maio/2006.
DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO COMO ALICERCE DO CONCEITO DE SEGURANÇA CIDADÃ
por Cezar Honorato
O modelo de desenvolvimento brasileiro recente vem, de maneira abrupta aumentando a renda dos setores mais ricos da sociedade, rebaixando a renda dos vários segmentos de classe média e retirando da miserabilidade absoluta parcelas da população que, beneficiárias de programas assistencialistas, também não conseguem se inserir numa nova dinâmica social onde a geração de emprego e renda seja o vetor principal. Exatamente porisso, podemos perceber a grande incidência da criminalidade, não nos segmentos de extrema miserabilidade, mas naqueles entre a classe média empobrecida e excluída dos benefícios da sociedade de consumo, particularmente os jovens pobres e de baixo nível de escolaridade.
A degradação urbana que vivenciamos nas últimas décadas pode ser retratada pela metáfora de cidades partidas com a existência de áreas onde ninguém entra ou ninguém manda. A dura realidade é que estas áreas carecem de uma maior presença dos agentes públicos, do fortalecimento da auto-estima dos seus habitantes e da maior observância do cumprimento de regras sociais básicas e elementares gerando aquilo que se caracteriza como pequenas agressões urbanas ¿ descumprimento da legislação de trânsito, da poluição sonora, da utilização de espaços públicos para fins privados, etc...
Junta-se tudo isso, incluindo-se a falta de valores sociais como o respeito ao outro, dilaceração de estruturas familiares, e a valorização do consumo sobre a existência, e temos uma sociedade que vem perdendo a sua capacidade de coibir excessos e direcionar o seu potencial criativo em prol de um futuro mais feliz.
A sensação de desagregação social começa a ser percebida na nossa sociedade e com isso, acaba-se reciclando o velho bordão de que cabe a polícia resolver todos os problemas. Logo, a percepção social é de que o enfrentamento policial é a única estratégia possível de conter a violência e a criminalidade.
As incertezas da sociedade vêm aumentando. Ao buscar formas de vencer aqueles desafios e desconsiderando muitas das experiências acumuladas em prol de discursos emocionalizados, acaba por se manifestar como no recente plebiscito em que a defesa do Não: legitimou-se como alternativa para conter a violência, o direito a aquisição de armas por indivíduos despreparados para tal, o exercício individual da violência...
A sensação de perplexidade vem aumentando ao se conviver com os obstáculos ao direito de ir e vir, à garantia de integridade física e mental e à agressão a outros direitos fundamentais, paralelamente ao aumento da sensação de ineficácia das polícias em dar conta do problema, diariamente amplificada pela mídia. Um meta-discurso, infelizmente, vêm ganhando espaço: desconfiança na democracia como capaz de garantir prosperidade e segurança para todos, numa perversa confusão entre democracia e direitos humanos, e caos e descontrole social...
As estatísticas oficiais tem demonstrado cabalmente, que o enfrentamento policial, visto como a única forma de conter a violência, é ineficaz exatamente devido ao fato de que sem ser inteligente nem seletivo, exclui, criminalizando, amplos setores da sociedade ¿ os pobres ¿ que passam a sofrer a dupla violência: a dos bandidos e a da polícia.
Grandes perguntas nos assolam: qual herói escolher? Em quem confiar? Como fazer com que meus filhos nem sejam os novos bandidos nem sejam as vítimas da violência? Muitas perguntas, poucas respostas...
Na esfera policial a perplexidade não é menor. Os profissionais se perguntam hoje o que fazer para voltarem a ser respeitados pela sociedade. Querem o direito, como cidadão, a vida. Convivem com a dúvida acerca da eficácia do confronto que rouba cada vez mais vidas de seus colegas de farda e de profissão.
Segurança Cidadã: Uma necessidade
Percebendo a ineficácia de apenas se utilizar ações de enfrentamento, os próprios organismos internacionais ¿ e os principais pesquisadores do tema no país ¿ apontam na direção da implementação de uma política de segurança que combine ações preventivas primárias e ações de enfrentamento de forma inteligente e de menor letalidade, num contexto de choque de gestão e reestruturação das próprias instituições diretamente relacionadas à segurança, no qual a articulação dos níveis federativos aparece como fundamental.
Contudo, pensar a melhoria da segurança pública sem contar com a participação direta e ativa de toda a sociedade, beira o absurdo. Não basta apenas defender a tese de que a segurança é um direito fundamental de todo o cidadão. É necessário envolver todos ¿ sem exceção ¿ no processo de melhoria da qualidade da segurança.
Particularmente, porque as populações mais pobres são exatamente as que mais sofrem a violência, numa perversa realidade onde se misturam a) a transferência pela sociedade da solução de todos os problemas aos governos; b) a falta de ações efetivas do poder público, particularmente de ações sociais articuladas e de amplo alcance; c) a violência da criminalidade e; d) muitas vezes, a violência dos próprios agentes da lei.
Por outro lado, tão ou mais importante do que a realização de denúncias acerca desta realidade, é a proposição de ações de segurança marcadamente preventivas evitando, com isso, que um conjunto de micro-ações de divergência ou atrito se transformem em ações criminais. Afinal, da mesma forma que as pessoas vivem em suas casas, em suas ruas no cotidiano de suas cidades, os fenômenos de violência ocorrem exatamente nas ruas e nas cidades onde as pessoas vivem. Acreditar que o poder local, as Prefeituras e as comunidades não podem fazer nada, é fugir da questão fundamental. Afinal, com ações inteligentes e articuladas pode-se prevenir uma gama enorme de atos de violência e criminalidade sem, necessariamente ter que se utilizar da força policial no enfrentamento.
Entretanto, merece ser destacado o fato de que confundir segurança primária preventiva com ação social é um erro que pode nos levar a perder o foco dos nossos objetivos. Que as populações marginalizadas devem receber grandes e estruturantes ações sociais que impliquem na melhoria de emprego e renda, de serviços de saúde, educação, políticas habitacionais, etc, é indiscutível. Mais ainda, deve-se sempre cobrar dos governos políticas sociais efetivas, amplas e de longo prazo voltadas para essas comunidades visando dar a elas uma cidadania qualitativa.
A materialização dessa filosofia caminha no sentido da implantação de polícias comunitárias, de núcleos de mediação de conflitos e de outras formas de enraizamento de políticas públicas que resgatam para as comunidades o seu direito a viver num país mais seguro, justo e feliz.
Conter o crescimento da violência através da elaboração de políticas de segurança pública que respondam com menos repressão ao complexo conjunto de problemas sociais, é o grande desafio de toda sociedade democrática.
Grandes períodos de estagnação econômica ratificam as tensões sociais, muitas vezes manifestadas pelo aumento da criminalidade através de roubos, assaltos, seqüestros, desenvolvimento e/ou fortalecimento do crime organizado.
A degradação do espaço da cidade e do meio-ambiente retratam o abandono de vários territórios urbanos no que tange à falta de infra-estrutura como água, esgoto, luz, transporte , de educação, de saúde e de segurança, além de materializar fisicamente o abandono social e político dos cidadãos, sendo um terreno fértil para a ampliação da violência.
Na atualidade, as ciências voltadas para a temática criminal buscam compreender o crime como um fenômeno global, conseqüência da atuação conjunta de seus componentes (ofensor, ofendido e ambiente) sob a ação de fatores sócio-econômicos, políticos e culturais.
Compreender a dinâmica criminal não significa detectar os espaços de crimes/criminosos e suas características para ações repressivas. Significa, antes de tudo, entender os processos operacionais do crime para antecipar-se à sua ocorrência, prevenindo-o . Mais ainda, conter a chamada cultura da violência na qual os valores criminais transformam-se em valores sociais para crianças e adolescentes. Tem-se que romper com a lógica de que o exemplo, o modelo, a ser seguido é o do bandido mais violento, etc. Torna-se necessário romper a naturalização da violência!
Políticas de segurança só poderão ser formuladas com o apoio de movimentos sociais e de instituições da sociedade civil, capazes de estabelecer diagnósticos complexos que fujam às respostas simplificadoras que inevitavelmente apenas apontam para a intensificação da repressão.
Podemos elaborar formas mais democráticas de intervenção social, que sejam capazes de romper com o círculo vicioso da brutalidade. Isso depende do desenvolvimento de novos conhecimentos científicos a serem aplicados no combate e prevenção à violência.
É preciso considerar que a violência é muito mais ampla que a criminalidade. Portanto, a sua prevenção deve se pautar por políticas que intervenham positivamente nas suas causas últimas que são o esfacelamento das relações sociais e a carência de atendimento às necessidades básicas e de outros serviços que valorizem a cidadania. Sob essa ótica, também a prevenção criminal deve ser comunitária, inter e multi-institucional, inter e multidisciplinar...
Nesse sentido, não mais se concebe uma polícia apartada dos inúmeros problemas sociais enfrentados pelos membros de sua comunidade. A atuação da polícia preventiva deve pautar-se pelo conhecimento do contexto social em que está atuando. Quanto maior o conhecimento, melhor a qualidade de manutenção da ordem, pois o comportamento policial corresponderá à necessidade de melhoria de qualidade de vida, no aspecto segurança, proporcionando a oportunidade de elevar o nível de cidadania.
O desenvolvimento de uma nova concepção de ordem pública pelo caminho da reeducação da polícia e da população, num processo de conscientização de seus papéis, é o primeiro passo. E a prevenção criminal, apesar de ser prioritariamente uma questão de segurança pública, pode e deve ser inserida não apenas em suas preocupações teóricas mas contemplada por ações de extensão à comunidade via participação nas políticas de ação social.
Texto na íntegra está no site: http://www.projuriseventos.com.br/artigos/artigo_evento.pdf
Prof. Dr. Cezar Honorato
Presidente do Observatório Urbano Estado do Rio de Janeiro
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- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 11:47 AM
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Quinta-feira, Maio 25, 2006
Quando informação e caos se confundem
Octavio Penna Pieranti
Seria uma redundância injustificável afirmar que a ofensiva empreendida pelo crime em São Paulo trouxe o caos à cidade. Fundamental, neste momento, é destrinchar cada uma das dimensões desse caos, o que já vem sendo feito neste site, para que episódios semelhantes sejam interpretados e combatidos sem tantos erros. Neste artigo, pretende-se discutir a ação da imprensa em situações ¿ perdoem a redundância ¿ caóticas.
Sempre que se discute uma determinada cobertura da imprensa, esquece-se de um princípio fundamental, alicerce natural desse tipo de debate. No Brasil, assim como em grande parte dos Estados democráticos, a imprensa é livre para publicar o que julgar necessário, já que a liberdade de expressão é garantida por cláusula pétrea de nossa Constituição Federal e a censura prévia aos meios de comunicação de massa é explicitamente proibida. Eventuais erros da imprensa são punidos a posteriori, normalmente enquadrados em tipificações antigas, como injúria, calúnia e difamação. Trata-se de tipificações claras, quando se referem a personagens específicos. Quando se trata de erros relativos ao contexto público, seu reconhecimento é mais difícil.
Então o que a sociedade pode esperar da imprensa durante o caos, já que não pode constitucionalmente (e nem deveria poder, com o risco de abalar um preceito democrático essencial) clamar pelo controle prévio do conteúdo informativo divulgado pelos meios de comunicação? Pode e deve esperar sempre que a imprensa divulgue e debata o que for de interesse público e que os meios de comunicação de massa, por meio de seus profissionais dirigentes, lembrem-se de que a liberdade de imprensa é pública, não podendo confundir-se com liberdade de empresa, ou seja, não se deve atrelar o conteúdo noticioso às vontades dos empresários do setor. O espaço é exíguo para discutir o que isso representa, mas cabe afirmar que esse princípio depende de responsabilidade, que deve ser sempre exigida e cobrada pela sociedade. Responsabilidade para veicular o que deve ser veiculado, com precisão e clareza.
Ter responsabilidade não significa acertar sempre, ainda mais quando se reconhece a falibilidade humana. Submetidos às pressões e aos problemas naturais a um cenário caótico, jornalistas reagem como qualquer ser humano, ainda que cientes de seu dever de informar com precisão. Informações vêm e vão desencontradas, sem que possam ser sempre analisadas no fechamento de uma edição diária (publicações e programas semanais naturalmente têm mais tempo e tranqüilidade para interpretar situações adversas, a menos que elas também aconteçam no momento do fechamento); autoridades públicas tornam-se pouco confiáveis, na tentativa de passar para a sociedade uma falsa sensação de segurança que nem mesmo elas têm, o que implica em negar o óbvio à mídia; estatísticas são imprecisas e não transmitem veracidade. Some-se a isso o desalento, a descrença, a raiva, o desespero que corroem a sociedade nos momentos difíceis, sentimentos aos quais não são indiferentes os jornalistas, e, ao fim do processo, nascerá uma edição diária: normalmente ela é pungente, concluída aos sobressaltos, muitas vezes sem a tranqüilidade necessária para a obtenção de uma informação precisa, sem a frieza fundamental para uma análise profunda. Essas edições refletem, enfim, o espírito da sociedade. Passadas horas, dias depois da veiculação, organiza-se o mea culpa, mapeiam-se os erros.
É claro que a angústia e a correria não podem ser usadas como justificativa para todo e qualquer erro da imprensa, muitas vezes canal de amplificação do caos. De qualquer forma, não apenas é crucial o registro das dificuldades que enfrentam jornalistas em determinados momentos, como também cabe reconhecer em atores externos à imprensa o fomento do clima de terror publicamente difundido. Um exemplo são as autoridades públicas, que teimam em transmitir uma falsa sensação de segurança em meio a um tornado. No fim, transmitem despreparo e sugerem à sociedade que ninguém sabe bem o que está acontecendo. Mais honesto e eficiente seria reconhecer os erros e demonstrar os esforços que, espera-se, culminarão em acertos.
Enquanto isso não ocorre, cabe às empresas de comunicação avaliar suas próprias falhas, que transcendem páginas de jornais e de revistas, minutos de programas de rádio e de televisão e se fincam na estrutura de publicações e de emissoras. Quando as informações oficiais inexistem, quando inferências se tornam pouco confiáveis, mais ainda se torna vital a responsabilidade dos jornalistas. Nos momentos difíceis, cresce a importância nas redações de profissionais experientes, acostumados a separar joio e trigo, dedicados à tarefa de planejar, pensar e analisar. Ombudsmen, como emprega a Folha de S. Paulo, são importantes para um debate posterior de erros, mas preveni-los é essencial. Profissionais experientes e competentes recebem, é claro, salários altos e não raro exigem uma estrutura de trabalho compatível. Note-se que o padrão de salários altos para jornalistas é baixo para diversas outras categorias profissionais.
Empresas do setor não parecem interessadas em investir mais nesse sentido, o que gera uma estrutura frágil e um problema sistêmico não restrito ao campo da violência. Do esporte à política, passando por áreas áridas para jornalistas, como ciência e tecnologia, os erros se potencializam em momentos de crise. Relacionar violência e mídia, portanto, não é ligação finita em si mesma. No tocante à mídia, violência e boataria, desespero e responsabilidade, despreparo e investimento são todos aspectos de um mesmo problema, que devem ser encarados em sua raiz ¿ a estrutura precária dos meios de comunicação de massa no Brasil.
Octavio Penna Pieranti
É doutorando em Administração e co-organizador do livro Estado e Gestão Pública: Visões do Brasil Contemporâneo (orgs) Ed. FGV, 2006
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- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 5:37 PM
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Terça-feira, Maio 23, 2006
Abaixo segue uma carta enviada ao Jornal O Globo com comentários sobre as declarações dadas por alguns especialistas em segurança que já tiveram oportunidades recentes em governos e hoje criticam a situação como se não tivessem contribuído para a crise atual.
Importante: Não temos nenhum cunho político nem tampouco ideológico. Entretanto, não nos furtaremos de criticar ou elogiar a quem quer que possa, sempre com responsabilidade, isenção e respeito.
José Luís C. Zamith.
Segue a transcrição do texto de Nelson G. Souza:
Tendo lido a reportagem sobre a situação dos ataques em São Paulo em dois veículos dos quais sou assinante: Jornal Correio Braziliense e O Globo, não poderia me furtar a alguns comentários relativos à matéria "Ataques são atos de terrorismo, dizem especialistas" publicada dia 14/5 no Jornal O Globo, para o qual enviei igual comentário.
Sobre os fatos em ocorrência em São Paulo e a matéria publicada, gostaria apenas de lamentar que, pelo menos dois dos especialistas consultados tiveram, a seu tempo, oportunidade de evitar o agravamento da situação de segurança pública em suas respectivas esferas de gestão (Gregori - Nacional e Luiz Eduardo Soares - Estadual (RJ) e Nacional) e nada ou pouco fizeram (desculpem, Luiz Eduardo, pelo menos, escreveu um livro). A análise de Luiz Eduardo, por exemplo, em relação à capacidade de coordenação dos bandidos, mostra que ele, agora como especialista, está tentando interpretar o óbvio, esquecendo-se que esse tipo de coordenação e ação já era fato no RJ quando de sua gestão. E o que foi feito? Onde estava o serviço de inteligência que ele se refere necessário e o qual também considero importante. Onde está a integração e o trabalho conjunto das polícias que tanto Luiz Eduardo diz ser fundamental e que nenhuma de suas duas oportunidades de gestão conseguiu produzir? Que reais investimentos foram feitos na segurança pública de modo a produzir efeitos objetivos e não pirotécnicos como, de resto, é comum de se ver, particularmente em períodos eleitorais?
Gregori, outro especialista quando Ministro da Justiça, nada fez além de sucatear a Secretaria Nacional de Segurança Pública e colocar lá, indivíduos muitos dos quais sequer sabiam do que se tratava a segurança pública (e continuam sem saber, achando que se trata de guerra na acepção da palavra, ou qualquer coisa parecida e, por isso, tratada como tal). Enquanto isso, só em São Paulo, nos dois últimos dias, mais de 35 policiais foram mortos. Mas, afinal, quem se importa? São só policiais...
Quero ressaltar que segurança pública não é, nunca foi e nem poderá ser sinônimo de guerra ou de polícia. Segurança Pública é atividade social e de estado. Requer, antes de tudo, alta capacidade de organização, coordenação e ação do estado (e dos governos) em esferas sociais, políticas e econômicas. E não são amadores, com experiência exclusivamente fundada em preceitos acadêmicos ou jurídicos, que poderão trazer à luz, agora, compreensões sobre o que vem a ser o estado de insegurança pública em que vive o Brasil. Deveriam a seu tempo, repito, ter feito algo objetivo. Não o fizeram.
Em decorrência, eu gostaria de perguntar aos veículos de comunicação até quando irão dar corda a esses aproveitadores de plantão que se tornam especialistas em segurança pública a custa de suas próprias incompetências?
O que está acontecendo em São Paulo é, sim, um ato de terrorismo em decorrência da organização cada vez maior do crime (não necessariamente o organizado, que costuma não querer aparecer). Todavia, é consequência maior ainda da desorganização do estado (nacional e estadual) no âmbito dos três poderes que deixaram, ao longo do tempo e por diferentes governos - função de interesses eleitoreiros e outros ainda mais espúrios -, a sociedade a mercê de desmandos e falcatruas daqueles que deveriam zelar pela lei e pelo bem-estar social, veja-se o que acontece nesse momento no congresso nacional (as iniciais minúsculas são intencionais).
É claro que, algum dia, haveria algo como o que está acontecendo em São Paulo. Em uma sociedade onde a corrupção impera (infelizmente o Brasil está classificado pela comunidade internacional, como um dos países mais corruptos do mundo) nas mais altas esferas da república (e o r minúsculo também é intencional) e de forma totalmente impune e, no mais das vezes, até estimulada, o que esperar do/para o resto da sociedade? De um lado, o medo daqueles que acreditaram (e ainda acreditam) que existem valores sociais e humanos que ainda valem a pena ser preservados (só não sabem até quando). De outro, o aproveitamento da situação por aqueles que já não têm (ou nunca tiveram) nenhum valor a acreditar ou preservar, entre eles, autoridades e outras representações (principalmente políticas) e os criminosos embora, nesse caso, esteja cada vez mais difícil estabelecer a diferença, a não ser pelo modus operandi.
As autoridades não podem capitular diante disto afirmou Gregori naquela reportagem. Gostaria de saber o que ele, como especialista, homem público e autoridade que é, está fazendo efetiva e objetivamente além de comentar a situação ou emitir opiniões a respeito, assim como Luiz Eduardo Soares que, numa comparação pífia, se assemelha ao que se atribui aos cantores de música sertaneja: rezam para que alguma desgraça amorosa se lhes aconteça para que se inspirem e escrevam suas canções. Luiz Eduardo, tomando a comparação, é pródigo em aproveitar as tragédias decorrentes de sua incompetência como gestor público (talvez excelente antropólogo) e escrever belos "romances antropo-socio-politico-policiais" (veja-se sua última obra em co-autoria: a elite da tropa). Pena que ele parece ter inspiração apenas após as tragédias e, assim mesmo, só para escrever.
Senhores, o Brasil costuma ser pródigo em pensadores (e agora, me parece, em especialistas em segurança pública). Temos leis maravilhosas. Quantas funcionam? Paremos de dar muitos ouvidos aos ditos especialistas". Suas histórias falam por eles. FAÇAMOS alguma coisa antes que seja tarde demais.
Finalmente, gostaria de informar, a quem interessar possa, que as opiniões expressas nessa mensagem são de caráter pessoal e de minha única e exclusiva responsabilidade. Elas não refletem, obvimente, qualquer posição oficial de qualquer órgão ao qual eu esteja vinculado.
Nelson G. Souza
Cidadão Brasileiro nos termos da Constituição Federal de 1988
Oficial Superior, no posto de Tenente Coronel, da Polícia Militar do Distrito Federal
Graduado em Ciências Policiais pela Academia de Ciências Policiais do Chile
Mestre em Gestão do Conhecimento pela Universidade Católica de Brasília
Police Advisor e Reform and Restructuring Officer em serviço na Missão da Organização das Nações Unidas no Sudão (UNMIS).
Operando no UN Police Office for Sudanese Police Reform and Restructuring
Khartoum
Sudan, Africa
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COMPLEMENTO
Agradeço ter colocado meu desabafo"no blog e gostaria de reiterar que não se trata, como podem pensar, de uma abordagem de natureza política. Ela é, antes de tudo, centrada na gestão porque entendo que seja esse o exato problema da segurança pública brasileira.
Não se trata de criticar aspectos políticos das declarações dos especialistas a que me referi, mas a evidenciação de suas respectivas incapacidades para gerir a coisa pública e digo mais, não é culpa de nenhum deles dado que não foram preparados para se tornarem gestores públicos. A deficiência, ao meu ver, está na politização da gestão pública que passou, no Brasil, a ser refém dos objetivos políticos de pessoas e grupos e não mais da sociedade.
É claro que esse meu posicionamente pode até parecer ingênuo para muitos. Entretanto, talvez seja por essa ingenuidade que eu acredite que ainda somos possíveis enquanto país. Ou será que deveremos aceitar a qualificação de um dos países mais corruptos do mundo simplesmente porque não acreditamos mais que valores como honestidade, firmeza de propósitos, respeito à vida e as instituições, particularmente a família.
Pode ser esse tipo de crença que torna alguns países diferentes de outros e que faz com que uns estejam na condição de desenvolvidos e outros em desenvolvimento, Todavia, só para pensarmos, estou trabalhando nos últimos meses em um dos países mais pobres do mundo, em decorrência de má gestão e de históricas disputas políticas, diferenças étnicas e religiosas. Em Darfur, por exemplo, morrem cerca de 3 a 4 mil pessoas por mês decorrente de fome, doenças e ataques de milícias. Todavia, no Sudão como um todo, a taxa de criminalidade de massa (street crimes) tais como roubo e furto, por exemplo, é uma das mais baixas do mundo. Será por quê? Eu confesso que ainda não tenho a resposta, mas estou interssado em obtê-la se eu puder.
O que me constrange é pensar que o Brasil, incomparavelmente "mais rico" que o Sudão, esteja contaminado por problemas em alguns casos iguais, em outros casos piores que os daquele país. Temos gente morrendo de fome e de doenças em números relevantes tal como lá. Todavia, o Sudão não está ladeando o Brasil quando se trata de corrupção. Embora eu não tenha números para afirmar muito a respeito, aquele país não se encontra posicionado nem perto do Brasil quando o tema é corrupção. Nesse quesito, estamos no time dos campeões.
E de que estamos tratando? De questões relativas apenas à política? Ou à psicologia? Penso que não. Os valores que os indivíduos trazem consigo serão, inexoravelmente, mesclados dentro das organizações e é com esses valores que essas organizações, sejam quais forem, serão geridas. Portanto, sob meu ponto de vista, falar de gestão implica, necessariamente, falar de tudo que cerca as relações humanas. E me parece que vc, com seu blog, dá início a um processo de criticização de um importante tema da gestão pública: a segurança. Não há, todavia, como tratar dela, sem tocar em seus relevantes temas periféricos (nem por isso menos importantes), dentre eles a política.
Esperando continuar como seu colaborador e parceiro, me coloco à disposição, a partir da próxima semana novamente no Sudão, pelo menos até outubro.
Nelson
- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 6:07 PM
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Sábado, Maio 20, 2006
INDIGNAÇÃO: Um outro fator de risco que precisa ser tratado. São Paulo é o exemplo.
Ansiedade, medo e incertezas têm sido a tônica do dia-a-dia. O Professor Paulo Motta da Ebape/FGV declara que estes fatores surgem com a percepção de risco, ou seja, a possível ocorrência de algo danoso, originado na perspectiva cognitiva, e influenciável por uma variedade de fatores psicológicos, sociais, institucionais e culturais. As reações aos eventos acontecidos em São Paulo são apenas uma manifestação de um processo que se alimenta há décadas na sociedade brasileira.
Assim, ao analisarmos as possíveis políticas de segurança pública, estaremos incondicionalmente buscando ferramentas capazes de atuarem sobre os riscos que, independente de sua concretização, têm causado muito mais estragos do que as tão penosas mortes e declarações que apenas alimentam os bancos de dados estatísticos e geram polêmicas exacerbadas de opiniões pessoais. Este processo de intervenção sobre o risco como forma de se evitar estas perdas possui duas fundamentações básicas: técnica e cognitiva. Neste texto, trataremos sobre algo que ainda é muito pouco explorado: a capacidade de balancear o componente analítico da gestão de riscos como ciência e os aspectos ligados às crenças, culturas, valores e comportamento do público envolvido como elementos fundamentais para atingir os efeitos desejados.
Um dos pontos fundamentais que está sendo esquecido pelas autoridades neste momento em que se deseja dar uma resposta (a curto prazo) a um problema tão enraizado e fortalecido pela seqüência de situações inimagináveis deflagradas em maio de 2005 (a propina dos Correios), é que o público é impactado diretamente tanto pelas medidas que buscam o tratamento do risco, quanto pela própria percepção da existência deste, isto é, os aspectos componentes que determinam o equilíbrio entre a irracionalidade e a racionalidade das decisões.
Assim, para tornarmos mais claro o nosso objetivo neste artigo, iremos hoje falar de um autor, Peter Sandman, da Universidade de Princeton, que consideramos como um dos mais importantes na forma como aborda a maneira de lidar com riscos e criador da teoria da perspectiva como resposta a esta nova abordagem.
Esta teoria afirma que quanto mais indignado estiverem os atores do ambiente, maior será a percepção da possibilidade da perda e, consequentemente, necessária é a adoção de medidas que solucionem o problema (controle da indignação), independente da probabilidade do risco vir a se concretizar. Surgida no relacionamento de aspectos gerados pela necessidade de um gerenciamento de crises ligado ao tratamento com a mídia, incorporou alguns conceitos já fundamentados em outras teorias e assimilou novos eventos provocados pela modernidade (velocidade da informação, transnacionalidade, entre outros).
O que se quer dizer com isto? Vamos recorrer a um exemplo: Ao se pensar no risco de estupro dentro de um colégio. A simples menção a palavra não obrigará a direção da escola a tomar medidas imediatas para controlá-lo, mesmo que não haja nenhum estuprador em tela? Qual é o potencial de um boato?
O centro da questão está no que os autores chamam de contabilidade mental, cujo processo se caracteriza por separar os componentes de um quadro total. No exemplo dado, provavelmente, a escola seria rotulada como insegura e isso acarretaria numa evasão de alunos generalizada - os leitores lembram de uma escola em Brasília que foi manchete dos jornais por quase uma semana e após dois anos de processo nada se provou?
Esta afirmação conecta-se ao que SANDMAN (1995) apresenta em suas reflexões sobre a definição de risco: RISCO = INDIGNAÇÃO (a parte intuitiva) + PERIGO (a parte técnica)
O que importa é que a avaliação do problema é fundamentada na medida que pode desencadear um processo de indignação pelo ambiente e este pode começar a se manifestar (caso não haja nenhum tipo de controle). O levantamento de que este tipo de risco é gerador de indignação poderá suplantar quaisquer tipos de avaliações técnicas obrigando a um controle sobre o fato.
O que isto significa? Isto nos mostra que os riscos que são controlados são uma fonte menor de indignação do que os que estão além do nosso controle. Assim, só por meio de uma gestão da técnica e de valores que influenciam na intuição é que se obtém aceitabilidade das soluções e, mais ainda, o acatamento e incorporação pelo todo. Isto implica dizer que o gestor deve propor soluções de segurança para controlar o perigo e ao mesmo tempo, tomar outras medidas para controlar a indignação.
As pessoas de um ambiente lidam com riscos de uma forma muito particular. As suas avaliações não são padronizadas e, ao mesmo tempo, quanto mais parecidas entre si, mais forte é a aceitação ou rejeição a uma determinada medida. Não obstante, Sandman (1998) é categórico em afirmar que entre o perigo e a indignação, esta confere uma reação muito mais exacerbada que a outra. Se a lógica gerada, mesmo que não atenda ao tratamento desejado do risco sob o ponto de vista técnico consiga manter um sistema unido em torno do problema, os benefícios da conscientização e participação suplantarão as diferenças. Por isto, é tão importante conhecer os vieses e especificidades que rodeiam a decisão. É como um outro autor importante, Max Bazerman, qualifica, chamando de Estimativa Ajustada.
Não se pode esquecer que segurança é um estado que implica em diversas sensações. Logo, é muito importante considerar como as pessoas vêem as soluções que são apresentadas em relação ao risco. Neste ponto é que se torna muito importante a tarefa de quem gerencia. A autoridade se obriga, a partir de então, a atentar muito mais para os impactos e variáveis de controle do risco sobre o ambiente (passo a passo), do que simplesmente a solução em relação ao impacto da não concretização dos riscos sobre a atividade.
Para finalizar este nosso debate, Sandman (1999) chama atenção para um problema que deve ser evitado a todo custo, capaz de trazer graves conseqüências e descontrole sobre a situação: a Progressão da Controvérsia. Ele apresenta este processo em 4 estágios que iremos comparar com o que ocorreu em SP:
ETAPA:
ESTÁGIO 1 A técnica suplanta a percepção: Ao se realizar a análise dos riscos, constata-se os riscos e determina-se uma classificação qualquer (o restante do ambiente (pessoas) é ignorado e se inicia um processo de insatisfação).
Ex: O mau uso da informação (11/05) quando já se sabia da possibilidade do problema e a própria negação do emprego da ajuda federal (13/05).
ESTÁGIO 2 O convencimento por meio da técnica: Ao se perceber a insatisfação, busca-se convencer o ambiente apresentando dados e inferências que comprovam os resultados que foram alcançados. A distância entre os técnicos e o público aumenta, pois o público passa a sentir que seus medos e receios não são considerados.
Ex. O governador de SP declara que a situação está controlada. O Presidente da República é evasivo em suas declarações quanto à realidade dos fatos (do dia 12/05 até os dias atuais). Os discursos das autoridades não se sustentam e não se complementam (o governo federal afirma uma coisa e o estadual outra: declarações dos dias 13 a 15 de maio dos Ministros de Estado Tarso Genro e Marcio Thomaz Bastos e das autoridades de SP).
ESTÁGIO 3 O profissional técnico versus o leigo: Não conseguindo convencer pelos dados, busca-se o convencimento pelo currículo, demonstrando que os aspectos que motivam as percepções do público foram levados em consideração e estão sendo excessivamente superestimados. Desvia-se o problema do foco principal. Sandman frisa algo muito importante neste estágio: People don´t like having their motives attacked.
Ex. As declarações do governador de SP à jornalista Mônica Bérgamo na Folha de SP do dia 18 de maio demonstram que o problema é das elites. Do outro lado, o Presidente da Câmara, Aldo Rebelo, reclama das restrições da legalidade de um Estado Democrático para lidar com crimes transnacionais.
ESTÁGIO 4 A insustentabilidade das posições: as autoridades começam a sofrer pressões de todos os lados de que os riscos não estão sendo tratados. Um problema se transforma numa crise que necessita ser gerenciada de forma unidirecional, suplantando quaisquer outros aspectos técnicos, baseando-se apenas nos efeitos sobre o ambiente.
Ex. O pacote de leis no Senado, o aparecimento de diversos especialistas propondo infindável número de soluções, o problema se concentrando apenas no uso de celulares em presídio (não na origem do problema e no resultado esperado) e assim por diante, pois ainda não terminamos de ouvir NOVIDADES...
Portanto, queremos ao final deixar um alerta para o tratamento de qualquer problema que envolva riscos: é necessário sempre que dois vetores básicos sejam observados:
- Os perigos gerados pelos riscos, aliados a níveis aceitáveis, que sejam suportáveis pelo ambiente, sendo tratados por medidas diretas sobre eles;
- As conseqüências dos impactos, suas causas, os fatos geradores de opiniões, tendo medidas específicas para tratar estes em consonância com as medidas contra o perigo.
JOSÉ LUÍS CARDOSO ZAMITH
Pesquisador do Núcleo de Estudos de Justiça e Segurança da EBAPE/FGV
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- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 11:55 AM
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Quinta-feira, Maio 18, 2006
A CULPA É DO SOFÁ, PERDOE-ME, DO CELULAR
por Cezar Honorato
SERÃO MORTOS DENTRO DA LEI. Esta frase, atribuída ao Diretor da Associação dos Oficiais da PM e publicada no Jornal O Globo do dia 16 de maio, na página 5, retrata muito bem o absurdo da situação ocorrida nos últimos dias no país. Antes de mais nada, cabe a perplexidade diante do fato do referido Major afirmar que, na prática, a Declaração dos Direitos Humanas aprovada por todos os Estados Membros da ONU, inclusive o Brasil, e a Constituição brasileira de nada valem!
A perplexidade aumenta quando consideramos outra afirmativa: O Plasma que eu conheço é Sangue, proferida pelo Delegado-Geral da Polícia Civil do Estado de São Paulo, que nos brindou ainda com a seguinte frase Se for necessário, vamos ter de deixar o tabuleiro de xadrez e partir para o futebol americano.
E, mais uma infinidade de frases foram ditas pelas mais importantes autoridades públicas de São Paulo onde desconhecimento ¿ absurdamente, o Governador confunde Guarda Nacional com Exército ¿ acordos espúrios com o PCC, o Secretário de Administração Penitenciária afirma que não negociou, apenas permitiu a instalação de televisores nos presídios pagos pelos condenados foi sem ônus para o Estadoe irresponsabilidade, ¿corrupção existe desde o Congresso Nacional até o mais simples funcionário público.
Poderíamos recuperar inúmeras outras afirmações nas centenas de entrevistas dadas pelas autoridades de São Paulo às televisões, rádios e jornais do país. O que elas tem em comum? Muitas coisas!
Em primeiro lugar, a manutenção de uma lógica de atuação policial baseada na utilização somente da morte como forma de se combater a violência do tipo bandido bom é bandido morto. Isto significa que, na prática, cabe a qualquer policial prender, julgar e decretar a pena de morte com o aval das autoridades constituídas!
Confunde-se, propositalmente, o confronto da Polícia com os bandidos como uma necessidade da ação de enfrentamento em situações de risco, como o direito de qualquer agente policial matar quem quiser.
As autoridades ao recuperarem a idéia de Terrorismo, seguida de forma pouco crítica pela mídia e autorizando a utilização irrestrita da arbitrariedade, está reeditando na prática, o Ato Institucional nº 5, de triste lembrança, esquecendo-se que um ato terrorista tem, por definição um caráter político. Não preciso me alongar nesta macabra lógica por ser por demais sabida.
Em segundo lugar, o próprio Comando da Polícia Militar tinha recebido informações dos setores de Inteligência da Polícia Federal e da Polícia Civil acerca do que poderia acontecer. Não levaram a sério e trataram o assunto de forma burocrática. O setor de Inteligência é hoje a ferramenta fundamental em todo o mundo para o combate à criminalidade. Poderíamos até dizer que se trata de seu alicerce. Como desconsiderar uma informação como essa que poderia poupar mais de uma centena de vidas, inclusive e principalmente dos policiais e seus familiares?
Absurdamente, a Associação dos Oficiais da PM e demais instituições de classe ao invés de se investirem em pessoas acima das leis deveriam, isto sim, responsabilizar civil e criminalmente todas as autoridades de segurança envolvidas, pelas mortes dos seus representados.
Outro ponto: a se crer no que está presente em toda a mídia, foi feito um acordo para o fim das rebeliões nos presídios como parece ter sido feito, ocorreu o reconhecimento pelo Estado do poder de Estado da organização criminosa, com direito a uma embaixadora que representa uma OSCIP , a advogada Iracema Vasciaveo da Nova Ordem, que teve direito a um avião pago pelo contribuinte para intermediar a conversa com Marcola, o chefe de Estado do PCC
Aliás, o Ministério Público e o Congresso Nacional, poderiam levar às barras dos tribunais as autoridades de segurança acerca da legalidade da instalação de televisões nos presídios, e inquirirem se não ocorreram crimes tais como o de prevaricação, corrupção, associação ao crime organizado e formação de quadrilha, ao aceitarem doações de presentes dos presos as televisões.
Aos poucos leitores que posso vir a ter, peço desculpas pelo estilo e pela virulência do texto. Afinal, na condição de cidadão, sinto-me ultrajado pelo que vem ocorrendo com a segurança no país e preocupado com o avanço de um discurso conservador e ditatorial de várias autoridades públicas que buscam esconder a incompetência e a má-fé com propostas toscas e inócuas.
Mais uma vez, a culpa de todos os males da casa , perdoe-me da segurança, é do sofá, perdoe-me, do celular.
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Artigo encaminhado para o Jornal O GLOBO - Prof. Dr. Cezar Honorato
Presidente do Observatório Urbano do Estado do Rio de Janeiro (OUERJ/UN-HABITAT)
- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 4:42 PM
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Terça-feira, Maio 16, 2006
A ORIGEM DOS ATENTADOS DO PCC E O ROUBO DOS FUZIS NO RIO DE JANEIRO- O problema da Segurança pública não é de polícia, e sim de gestão
Enquanto se discutem situações como: a competência ou não das ações das Forças Armadas nas favelas cariocas; a ousadia e coordenação de uma facção criminosa no Brasil inteiro; o uso do Caveirão; a eficácia das atuais políticas desenvolvidas pelos governos (federal, estadual e municipal) na área de segurança pública, não se percebe que o cerne não é este. Por quê? Pelo simples fato que nenhuma destas ações e políticas discutidas estão comprometidas com uma estratégia bem definida, integrada, com resultados claros e acordados e que realmente garantam o papel constitucional do Estado na garantia de segurança e bem estar da população. A operação do Exército foi muito clara, como a das polícias no Brasil está sendo: recuperar armas roubadas e debelar as rebeliões.
Buscando fugir de uma análise passional que ronda as opiniões quando se trata de segurança e abordando o assunto um pouco diferente do que é feito atualmente, é pertinente indagar alguns aspectos ilustrativos e componentes de todo o processo, para alcançar a profundidade do enigma: Fala-se muito sobre a constituicionalização da segurança pública, definindo papéis, criando polícias e dificultando a coordenação entre instituições. Sim, este é um dos problemas. Mas qual iniciativa ou ação busca resolvê-lo? Qual é o prazo esperado? Quanto custará aos cofres públicos? Quais são os relacionamentos necessários e como lidar com as bancadas partidárias? Quantas audiências públicas foram realizadas para discutir o assunto com a sociedade? Qual é a prioridade dentro dos governos? A que política pública a resolução deste problema está ligada?
Outro exemplo capaz de demonstrar e direcionar o raciocínio para o âmago do problema: a SENASP (Secretaria Nacional de Segurança Pública) apresentou um relatório sobre a implantação do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública - período de 2003-2005). Neste mesmo período, os jornais cariocas apresentavam diversas estatísticas buscando mapear áreas de riscos do Rio de Janeiro. Se houve diversas ações implantadas e sabemos onde o crime está sendo cometido, por que não estamos mais seguros? Por que as medidas que foram implantadas não surtem efeitos? O relatório de ações alcançadas está conectado com que metas do governo? Qual é a estratégia e prioridade que foram dadas para a execução destas ações? Quem as atribuiu? Para que servem os dados estatísticos?
As ações do PCC conseguiram criar um desespero e terror, independente da proporcionalidade e do alcance dos seus efeitos em toda a população. Já no Rio de Janeiro, ao contrário de SP, quando as armas sumidas foram procuradas nas comunidades com um forte aparato militar, seus desdobramentos criaram uma expectativa errônea, geradora de uma das mais graves conseqüências no ser humano: a falsa sensação de segurança.
Se analisarmos friamente as ações governamentais dos dois problemas citados, dentro de uma perspectiva macro, concluiremos que ações pontuais só conduzem a um deslocamento e um aprimoramento no cometimento de outros delitos, como bem enfatizou em diversas entrevistas o Prof. Ignacio Cano do NUSEG/UERJ. Não estamos aqui discutindo se o que foi feito é certo ou errado, apesar do debate em São Paulo encaminhar-se ao mesmo questionamento que o do Rio: uso ou não das FFAA ou da Força Nacional de Segurança. Dentro da lógica que foram criadas as ações, isto é, resolver o problema imediato, parece bem razoável o que vem acontecendo atualmente e ao longo de vários governos. Entretanto esta simples análise da ambiência que fizemos acima suscita novamente a indagação: por que isto tudo não resolve o problema?
Toda política pública deve ter o compromisso não apenas em se caracterizar como uma boa idéia, deve ter diversos fatores componentes para sua implantação e controle, suficientes para poder se tornar realidade (e é por isto que muitas leis ¿não pegam¿ no Brasil). Assim, mesmo que as intenções sejam direcionadas para um determinado resultado, este propósito só será alcançado se houver um esforço neste sentido. Logo, concluímos que o problema não é de política, e sim de gestão.
Lemos e assistimos há alguns meses atrás o economista Steven Levitt com seu livro Freakonomics enfatizar que a violência americana foi reduzida com a implantação da Lei do Aborto. Várias pessoas se surpreenderam com uma nova abordagem, mas o livro não fala e não aborda sobre os elementos que tornaram esta lei eficiente. Como uma lei por si só representa o que representou? Se fosse assim, o nosso crescimento econômico estava garantido com a redução da Selic.
O cerne da questão é que nossos dirigentes públicos necessitam tornarem-se gestores públicos (e não apenas políticos) e serem fortalecidos com uma equipe técnica (e não indicada) que garanta a consecução da política determinada. Há uma necessidade premente da população saber qual é realmente o objetivo que se irá buscar - precisamos sair de compromissos abstratos, como prover segurança ou garantir o bem-estar. Isto é uma diretriz, não uma meta determinada. O Plano Nacional de Segurança Pública é um dos documentos mais idealistas e bem feitos já criados neste país. Entretanto, este mesmo plano não sai do terreno das idéias e transforma-se em metas, objetivos, prioridades, custos e outros aspectos importantes capazes de definir exatamente o ponto que se quer chegar, dentro de um período de tempo.
Perguntamos-nos: se a maioria dos delitos não são homicídios e ocorrem após as 23 horas, por que não observamos medidas que sejam focadas diretamente para isto?
A conseqüência é que estamos patinando há décadas e só vemos tudo piorar. Critica-se o papel que a mídia, a opinião pública, as ONGs, os partidos políticos e comunidades vêm desempenhando. Mas qual tem sido o verdadeiro papel de todos os atores na construção de ações concretas? Nenhum! Todos são platéias diante de idéias pessoais e autoritárias perante a um problema que a todos envolve.
Mais ainda, conforme enfatiza o Prof. Peter Sandman da Universidade de Princeton, que qualifica o risco como uma conseqüência do sentimento de indignação aliada ao perigo: perdemos o controle sobre a indignação: Secretários de Segurança Pública se negam a dar explicações, policiais reagem com o coração e as instituições se incriminam mutuamente buscando o exorcismo como forma de resolução do problema. Por conseguinte, quem comanda o que deve ser feito são os sentimentos, os interesses específicos de quem se beneficia com isto e o crime organizado.
Em direção completamente oposta na forma de conduzir suas ações, o Crime aprimora suas formas de gestão, concentra-se no resultado financeiro e aplica seus esforços para evitar interferências e ampliar sua estrutura organizacional e os seus relacionamentos. Portanto, não tenham dúvidas que muito em breve outros fuzis sumirão e aparecerão, outras rebeliões generalizadas implodirão e serão rebeladas, já que este ciclo é regido pela ação criminosa e a reação - a asfixia do Estado com operações de segurança pública e, conseqüentemente, a interferência nas metas econômicas esperadas pelo tráfico.
A população precisa de uma resposta de gestão e não de promessas de ações. O compromisso com a ação é efêmero, fica ao sabor dos ventos. Em compensação, assumir os desafios da gestão integram e comprometem todos para um foco pré-estabelecido e acordado. E é bom ressaltar, que neste processo, a política não fica afastada, ela é a base para conseguir o envolvimento entre governo e sociedade.
Observação: O texto está postado para consulta. Se você for utilizá-lo em pesquisas e trabalhos, não se esqueça de citar a fonte!!!
Artigo encaminhado para o Jornal O GLOBO - JOSÉ LUÍS CARDOSO ZAMITH
Pesquisador do Núcleo de Estudos de Justiça e Segurança da EBAPE/FGV
- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 8:48 AM
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Sexta-feira, Maio 12, 2006
A IMPORTÂNCIA DE UM PLANEJAMENTO DE SEGURANÇA
por José Luís C. Zamith, CPP - Especialista em Segurança Corporativa
A grande crise instaurada no país na área de segurança é uma conseqüência de atitudes (ou melhor, falta de) cometidas no passado. Pode parecer que esta situação só tem relevância apenas na segurança pública. Entretanto, no campo da segurança privada os resultados não são diferentes. Apenas não se comenta e se publica com a mesma intensidade que milhões de dólares vem sendo consumidos em perdas decorrentes de ineficácia e ineficiência adminstrativas.
Mas qual é o problema afinal?
Falta de Planejamento. Todos hoje têm uma solução sem um plano. Na segurança pública já tivemos idéias e fatos mirabolantes. Entre dirigíveis e "bondes do Bem", a situação vem sendo conduzida sem uma estratégia definida, sem uma sincronia de palavras e atos, e o que é pior, sem uma coerência com o plano de governo, acarretando em gastos desnecessários e resultados imperceptíveis. Na esfera privada, a solução vem consistindo na adoção de câmeras de alta tecnologia e no aumento acelerado do mercado de vigilância - Gasta-se muito e lucra-se pouco, ou melhor, deixa-se de perder muito.
Os riscos mudaram. As ameaças são diferentes. É necessário estar preparado para tudo isto.
A visão do campo da segurança na esfera pública, e da prevenção de perdas na privada, necessitam de um realinhamento amplo e uma grande integração no todo. A necessidade de trabalhar de forma específica, situacional e científica é o caminho para uma solução. Se não for assim, vejamos:
O que fazer com as informações que são obtidas e que alimentam constantemente o sistema? Aonde aplicar os recursos? Para onde conduzir a massa? Como identificar as falhas e analisar os resultados? Corrigir os erros em que sentido?
Para gerenciar, e o termo correto é este, a área de segurança, há necessidade primária de uma análise profunda do ambiente. A utilização da estatística, dos dados levantados, dos números que hoje são omitidos, maquiados e esquecidos são fundamentais para dar base aos próximos passos. Além disso, uma comunicação horizontal em toda a estrutura proverá informações específicas e mostrará as particularidades que cada setor possui. Tomar estas ações é buscar o conhecimento profundo do problema e da situação. A partir de então, sabendo-se do que existe, é possível fixar metas e tratar o problema de frente. Nos EUA, por exemplo, o país das estatísticas, todas as decisões são tomadas se baseando num suporte providenciado pelos estudos de inteligência, com uma abordagem em todo os espectros do problema.
Num segundo estágio é que se produzem as soluções. Em Congresso realizado em Amsterdam para analisar um conceito "novo" (para nós, brasileiros), conhecido como CPTED - Crime Prevention Through Environmental Design, abordou-se sobre a integração da arquitetura vinculada a segurança e debateu-se sobre a utilização de um selo (Secured by Designed) que vem angariando fortes resultados, tanto no simples aspecto domicilar, quanto nos chãos de fábrica de grandes corporações. E daí? Isto serve para nos mostrar, que um debate sério, com pessoas CAPACITADAS e com uma visão coerente pode produzir soluções, que se bem aplicadas, trazem reflexo em toda uma comunidade.
Nada vai funcionar sem um planejamento estratégico elaborado (é importante frisar: não é um plano apenas). As diretrizes, combinadas com a política de atuação devem ser transparentes e de fácil entendimento. Além disso, não podem ser tratadas como receitas de curto prazo. As ações imediatas é que devem estar embasadas nas linhas gerais propostas pela Administração. É interessante perceber que em alguns setores do mercado isto já foi observado. Grandes empresas, após uma reestruturação, hoje já colhem resultados expressivos no seu balanço. Como saldo de um bom planejamento é que se consegue estabelecer metas e procedimentos para a realimentação do sistema.
Após o ataque de 11 de setembro, cerca de dois meses depois, as indústrias da construção civis americana e mundiais, já tinham uma análise da atuação dos materiais das estruturas das Torres Gêmeas, bem como do esforço sofrido por cada tipo de componente das edificações. Mas por que? Porque existe uma consciência de PERDA. Não se admite mais a existência de perdas por incompetência, negligência ou politicagem. As cobranças são severas e duras.
A Segurança também deve englobar o gerenciamento de crises. Crises naturais, crises advindas de falhas, crises de toda ordem. As soluções amadoras comprometem o planejamento e afetam a credibilidade da instituição. Para uma crise, é muito pior as conseqüências da maneira como conduzi-la, do que o fato originador em si. O Governo do Rio de Janeiro, hoje, está muito mais enfraquecido por conta da maneira como vem conduzindo a situação atual, do que, efetivamente o que vem ocorrendo nas ruas. As empresas que vem produzindo desastres ambientais têm sofrido muito mais por não saber o que fazer na situação de emergência, do que na resolução do problema. Os tempos são outros. Gerir com competência não é para qualquer um.
Observação: O texto está postado para consulta. Se você for utilizá-lo em pesquisas e trabalhos, não se esqueça de citar a fonte!!!
- JOSE LUIS CARDOSO ZAMITH, 5:40 PM